Título: A oca do desabafo e da ajuda mútua
Autor: Lins, Letícia e Martin, Isabela
Fonte: O Globo, 22/04/2007, O País, p. 4

Terapia comunitária ajuda comunidade de bairro pobre e violento de Fortaleza.

FORTALEZA. Uma enorme oca feita de palha é o local onde, uma vez por semana, cerca de 120 pessoas se reúnem para participar da terapia comunitária do projeto Quatro Varas em Pirambu, um dos bairros mais pobres e violentos de Fortaleza. Os participantes vão chegando e tomando assento em uma das cadeiras de madeira, de modelo africano, dispostas em círculo. Quem chega mais tarde senta formando um segundo círculo. Às 14h30m do último dia 12, um dos mais antigos freqüentadores, o aposentado José Lopes Macedo, o Zequinha, de 65 anos, dá as boas-vindas e anuncia algumas regras básicas. A mais importante é saber escutar; a outra é não julgar as pessoas, tampouco dar conselho ou sermão.

O local, a poucos metros do mar, rodeado de cajueiros, pés de azeitona roxa e coqueiros, é acolhedor. Para ajudar a descontração do grupo, o encontro começa com cânticos entoados por um dos participantes e com a comemoração dos aniversários do mês. Em seguida, eles são convidados a propor o tema do dia. A terapia parte de uma situação-problema para depois começar a reflexão. Naquele dia, a situação escolhida foi a vivida por uma ex-executiva de vendas, que freqüentava o espaço pela primeira vez. Recém-separada do marido, ela desabafou sobre a dor da separação. Após enfrentar duas doenças graves e uma cirurgia, o marido, que tinha outra mulher, a deixou.

A terapia é conduzida pelo idealizador do projeto, Adalberto Barreto. A função do terapeuta comunitário é suscitar a capacidade terapêutica do próprio grupo. Ele perguntou quem já tinha vivenciado experiência semelhante e o que tinha feito para superá-la. Pelo menos cinco mulheres contaram como fizeram para enfrentar o abandono. E todos riram da história de dona Edileuza, que lutou pelo retorno do marido por quatro anos. Um rapaz contou que a mãe se desesperou quando o marido decidiu deixá-la e tomou veneno. A informalidade e a espontaneidade fazem parte da terapia comunitária. A qualquer momento alguém pode propor uma música que tenha afinidade com o tema, fazer um comentário e até contar uma piada. Ao término da terapia, quem precisa de apoio recebe a solidariedade dos outros. A idéia de uma teia de relações sociais está expressa no símbolo do projeto, desenhada no centro da oca: uma aranha em sua teia.

A depressão e o abandono são as principais razões da procura. Segundo Adalberto, no início o motivo era a busca por medicamentos. Hoje, apenas 10% pedem que receite remédio:

¿ Não negamos o valor da psiquiatria. Mas essa mudança de comportamento mostra que a terapia comunitária é uma forma de despsiquiatrialização dos problemas existenciais ou sociais. Os temas freqüentes são conflitos familiares, nervosismo, violência doméstica, problemas ligados a delinqüência e drogas.