Título: Wolfowitz e o Banco Mundial encurralados
Autor: Rogoff, Kenneth
Fonte: O Globo, 22/04/2007, Opinião, p. 7

Os problemas do presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, serão finalmente um catalisador de verdadeiras mudanças no Bird? Vai acabar a prática arcaica pela qual o presidente dos Estados Unidos unilateralmente nomeia o chefe da mais importante agência de desenvolvimento do mundo?

Enfrentando críticas extraordinárias do comitê de supervisão ministerial do banco e revolta aberta de sua equipe profissional, Wolfowitz dificilmente completará os últimos três anos de seu mandato. A comoção atual refere-se ao extraordinariamente generoso pacote de pagamento e promoção que ele concedeu em 2005 a sua namorada, como compensação por ela deixar o banco para pavimentar o caminho para sua chegada. Numa época em que o Bird enfatiza altos padrões de governança como fator-chave do desenvolvimento, a revelação recente dos detalhes desse acordo representou um sério golpe na credibilidade do banco.

Mas mesmo que Wolfowitz seja obrigado a se demitir, nada será ganho se o presidente George W. Bush puder sumariamente escolher seu substituto, como presidentes americanos têm feito desde que o banco foi fundado, depois da Segunda Guerra Mundial. Em vez disso, o chefe do banco deveria ser escolhido num processo aberto e transparente, para que seja escolhido o candidato mais bem qualificado, seja ele dos EUA, da Europa ou dos países em desenvolvimento. Com efeito, boa parte da fraqueza de Wolfowitz, hoje, deve-se à forma como ele ocupou sua função, como uma nomeação acintosa de um governo americano fraco em matéria de cooperação internacional. O Bird é uma instituição financeira e de desenvolvimento. Mas a experiência de Wolfowitz nos departamentos de Estado e Defesa dos EUA não lhe deram conhecimento ou experiência reais em qualquer das duas áreas. Longe disso, ele se tornou mais conhecido pelo seu papel como arquiteto da fracassada guerra dos EUA no Iraque. Tudo indica que Wolfowitz é brilhante, mas parece inconcebível que um processo de seleção aberto, transparente e multilateral teria levado à escolha dele para chefiar o Banco Mundial.

Chego a esta conclusão mesmo sendo favorável ao desejo do governo Bush de fazer mudanças no banco. Há muito defendo deslocar o centro de gravidade do Bird de empréstimos para doações sem restrições, uma política defendida abertamente pelo governo Bush. Mas escolher alguém sem formação ou experiência em desenvolvimento econômico não é maneira de avançar nessa frente.

Um processo mais aberto de seleção teria aliás focalizado o fato de que a namorada de Wolfowitz trabalhava no banco. Isso parece questão trivial, mas não é, considerando o forte princípio do Bird de combater o nepotismo. Se, de outra forma, Wolfowitz fosse de longe o candidato mais qualificado, o comitê de seleção poderia encontrar uma forma de deixar a questão de lado, mas transparente e abertamente. Contudo, já que ele era pouco qualificado para o trabalho, essa questão poderia ter sido decisiva.

Por que o mundo aceita docilmente esse status quo e deixa os EUA nomearem o chefe do banco? É um lastimável caso de governança global ineficiente. A Europa não reclama do privilégio dos EUA porque quer manter seu próprio privilégio retrógrado de nomear o chefe do Fundo Monetário Internacional, a instituição-irmã do banco. A Ásia tem de ceder às manobras dos EUA e da Europa porque está brutalmente sub-representada nas duas organizações. Quanto à África, seus líderes temem fazer ou dizer qualquer coisa que possa prejudicar a generosidade do Banco Mundial. Muitos, como eu mesmo, se queixam há tempos do processo de escolha de líderes do Bird e no FMI. Como podem os dois continuar a dar sermões aos países em desenvolvimento sobre boa governança e transparência mas não aceitar mudanças em casa?

De vez em quando, as duas organizações fazem alguma menção nesse sentido. Mas até agora não exibiram desejo real de mudar. Para ser justo, a liderança do FMI está fazendo um esforço decidido para dar às economias emergentes, particularmente na Ásia, mais voz na direção do fundo. Se levado suficientemente à frente, esse processo pode conduzir às mudanças necessárias. Mas infelizmente esses esforços prosseguem a um ritmo glacial. E no Banco Mundial nada parece estar acontecendo.

Talvez, quando Gordon Brown se tornar o próximo primeiro-ministro da Inglaterra, ele consiga convencer o grupo G7, dos países ricos, a comandar o processo de mudança. Como chefe do comitê de supervisão do FMI, Brown tem excelente conhecimento das questões. Ou talvez a debacle de Wolfowitz seja o catalisador. Talvez, finalmente, o próximo presidente do Banco Mundial ou do FMI tenha uma origem diferente da habitual.

Há muitos grandes candidatos em potencial que não são americanos. O ministro das Finanças da África do Sul, Trevor Manuel, saiu-se bem como chefe do comitê de supervisão do Bird e seria um brilhante presidente do banco. E também poderia ser um americano qualificado. Que tal Bill Clinton?

De uma forma ou de outra, o processo de seleção da chefia do banco e do FMI precisa ser reformado urgentemente. O que os apuros de Wolfowitz nos mostram com clareza é que passou o tempo de mostrar paciência com o status quo.

KENNETH ROGOFF é ex-economista-chefe do FMI. © Project Syndicate.