Título: Bela, feminina e hesitante
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 22/04/2007, O Mundo, p. 26

PARIS. A ascensão meteórica desta mulher bonita e sorridente pegou a velha guarda do Partido Socialista (PS) de surpresa. Inicialmente, ela virou alvo de chacota dentro do próprio partido. Dizia-se, rindo, que ela tinha que consultar seu companheiro ¿ o secretário-geral do PS, François Hollande, com quem tem quatro filhos ¿ sobre sua candidatura. Comentários machistas abundaram, do tipo: ¿Quem vai cuidar das crianças?¿ E quanto mais ela era levada na gozação, mais sua popularidade aumentava.

Até o dia em que Ségolène Royal derrubou todos os pesos pesados do PS ¿ Laurent Fabius, Dominique Strauss-Khan, Jack Lack, e o próprio companheiro ¿ e se impôs como fenômeno incontornável na política. Mas a áurea imaculada de Ségolène, eleita em dezembro candidata do PS à Presidência graças à sua popularidade junto aos militantes socialistas, foi bastante desgastada nos últimos três meses.

A luta pelo comando da sexta maior economia industrial do mundo é cruel. Qualquer escorregão custa caro. Pois Ségolène escorreu várias vezes. Tão logo se elegeu candidata, precipitou-se em viagens internacionais que só tiveram um mérito: mostrar seu despreparo em matéria de política internacional. Na China, agradou ao recitar provérbios, mas escorregou ao dizer que a Justiça chinesa era rápida.

¿ Claro que é rápida: em 24 horas, executa-se as pessoas ¿ ironizou José Bové, líder altermundialista e também candidato à Presidência francesa.

Aos 53 anos, esta advogada que foi várias vezes ministra (Educação, Ensino Escolar e Família), continua em alta nas sondagens. Mas alguns temem surpresa como a de 2002, quando Lionel Jospin era apontado como líder nas pesquisas e foi eliminado no primeiro turno pelo extremista de direita Jean-Marie Le Pen.

Filha de militar e dona de casa submissa

Ségolène nasceu numa família com oito crianças, num vilarejo em Vosges. O pai era militar, a mãe, dona de casa submissa. Daniel Bernard, jornalista da revista ¿Marianne¿, conta na primeira biografia sobre ela que Ségolène teve infância calma e refugiou-se nos livros. Até chegar, aos 15 anos, ao internato no colégio Notre-Dame d¿Epinal. Sua vida mudou. Estudou ciência política e entrou para a escola por onde passa toda a elite governante da França, a École Nationale d¿Administration (ENA).

Foi lá que conheceu Hollande, com quem teve quatro filhos e nunca se casou. Royal joga com o charme da sua imagem de mãe independente para conquistar os franceses. Em 2004 foi eleita presidente da região Poitou-Charentes. ¿A cada dia ela é mais feminina. Mais viril, portanto, que a maior parte das mulheres¿, escreveu Daniel Bernard.

Mas até neste plano, ao reivindicar uma espécie de ¿feminilidade política¿, Ségolène perdeu ponto. Em várias ocasiões, quando se sentia acuada, jogou a carta da mulher.

¿ Se eu fosse homem você faria esta pergunta? ¿ disse algumas vezes, em debates.

Se sua competência era posta em xeque, era porque ela era mulher. Podia ser. Mas Ségolène abusou da fórmula. No plano das idéias, joga a carta da cautela. Se isso inicialmente a poupou, quando a campanha endureceu Ségolène passou a imagem de pessoa que hesita. Lançou um programa com 100 propostas para reerguer a França, repetindo os passos do ex-presidente socialista François Mitterrand, que se elegeu em 1981 com um plano de ¿110 propostas¿. Num momento em que a França cresce pouco, se endivida muito e tem taxas de desemprego mais altas que a média européia, seu programa é tímido nas reformas e insiste na generosidade do modelo francês ¿ como a manutenção da lei que limita em 35 horas semanais o trabalho dos franceses. Mas sem esclarecer quem pagará a conta.

Ségolène, na realidade, sofre também da imagem do PS. O partido que governou a França durante 12 anos saiu desgastado e até hoje não conseguiu se reerguer com uma proposta alternativa. (D.B.)