Título: Casos banais entopem Justiça Militar
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 23/04/2007, O País, p. 4

Superior Tribunal mostra seu rigor em causas de relevância discutível.

BRASÍLIA. Perto de completar 200 anos de existência, em 2008, o Superior Tribunal Militar (STM) tem variada pauta de votação de processos a cada sessão. São julgamentos que envolvem crimes comuns, só que cometidos por soldados, sargentos, cabos e oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. É esse tribunal que poderá vir a julgar os controladores de vôo da Aeronáutica que promoveram um motim e levaram o caos aos aeroportos. Mas, em muitas das sessões, são julgadas causas tão banais que nem deveriam chegar à instância máxima da Justiça militar. Nas últimas três semanas, O GLOBO acompanhou cinco sessões do STM, que acontecem sempre às terças e quintas-feiras.

Na sessão de 10 de abril, os 15 ministros julgaram o caso de um soldado do Exército que foi punido por ter substituído outro numa prova de natação. O fraudador foi descoberto na hora. Abriu-se um Inquérito Policial Militar (IPM) para julgá-los na Auditoria Militar, a primeira instância, e os dois foram desligados do curso. Esse caso ter ido para o STM irritou alguns ministros.

- Bastava o cancelamento da matrícula, expulsá-los do curso. Medida disciplinar. É um exagero judicial. Geraria mais economia processual se resolvesse isso lá embaixo - reagiu irritado o ministro Carlos Alberto Soares, um dos cinco ministros civis, entre os 15 integrantes da corte.

"Às vezes matamos mosca com tiro de canhão"

Até um ministro militar, Flávio Lencastre, reagiu:

- Às vezes matamos uma mosca com um tiro de canhão.

A Justiça castrense não perdoa nem pequenos delitos. Um exemplo: um soldado que furtou peças de um computador, gerando um prejuízo de R$315, foi condenado a três anos e seis meses de cadeia. Foi feito até exame de papiloscopia no computador para se chegar ao dono das digitais.

Em outra sessão, foram julgados dois oficiais acusados de obrigar soldados a "pagar flexões" sob o sol de meio-dia, no Piauí. Seis soldados acabaram no pronto-socorro, com bolhas nas mãos. Fizeram até exame de corpo de delito. Os oficiais foram advertidos, mas o Ministério Público Militar queria punição mais rigorosa. O relator do processo não concedeu e argumentou que, de um grupo de 90, apenas os seis se machucaram. Mandar subordinado "pagar flexão" é prática comum nas unidades do Exército, mas é proibido pelas regras militares.

Há tipos de delito tratados de forma bem diferente pelo Código Penal Miliar e Código Civil e por outras leis. Como o usuário de drogas. Um soldado foi julgado na última quinta-feira, flagrado com um pequeno cigarro de maconha. Foi condenado a quase um ano de cadeia. Um civil preso com um cigarro de maconha sequer vai para a cadeia, segundo a nova Lei de Entorpecentes.

Um dos casos que chamou a atenção envolve um major do Exército, que é dentista em João Pessoa (PB). Ele foi acusado de tentar agarrar uma cliente. No depoimento, a cliente disse que o oficial deu um beijo "babado e nojento" no rosto dela. A discussão no plenário do STM foi se o beijo em questão era um ato libidinoso ou não.

Um ministro, o general Max Hoertel, defendeu o acusado:

- O major agiu errado, mas tenho dúvida que seja crime. Poderia ter feito enquanto ela estava na cadeira. Esse major foi provocado. O beijo não foi ato libidinoso.

O dentista foi condenado a dois meses e 16 dias de cadeia.

O ministro Olympio Pereira Júnior, que por 20 anos atuou no Ministério Público Militar, reconhece que há exageros na Justiça Militar mas a defende. Ele explica que a vida militar é bem diferente do dia-a-dia do civil e que o tribunal precisa ser rigoroso porque suas decisões refletem na disciplina dos militares:

- Julgamos casos que são aparentemente ridículos, mas que são essenciais para a manutenção da hierarquia e da disciplina, valores absolutos para os militares.