Título: Os 'laranjas' dos bingos
Autor: Rocha, Carla e Araújo, Vera
Fonte: O Globo, 23/04/2007, Rio, p. 8

A MÁFIA OFICIAL

Levantamento do GLOBO mostra ligação de homens de confiança dos bicheiros com casas de jogo.

Ojogo do bicho cercou por todos os lados e tomou o mercado de bingos no estado. A exemplo da divisão de território instituída pela cúpula da contravenção na década de 80, os banqueiros do Rio lotearam o Rio e estão usando "laranjas" e parentes para controlar os bingos. Levantamento feito pelo GLOBO revela a ligação dos homens de confiança dos três capos presos na Operação Hurricane da Polícia Federal com as casas de jogo. Documentos da Junta Comercial do Rio mostram que apenas um dos presos, Laurentino Freire dos Santos - homem de confiança dos bicheiros Aniz Abrahão David, o Anísio, e Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães - já foi sócio de três bingos, na Barra, em Bonsucesso e em Niterói. O terceiro contraventor preso, Antônio Petrus Kalil, o Turcão, disputa com os outros dois o controle dos bingos em Niterói e também atua no filão dos caça-níqueis. Os outros "territórios" demarcados estão sendo investigados pela PF.

Segundo escalão domina setor

A existência de provas documentais sobre a união entre bicho e bingo representa um importante passo no combate ao crime organizado. Desde 1994, quando surgiu o primeiro bingo no Brasil, em São Paulo, os empresários do ramo tentavam manter a imagem longe da contravenção para não comprometer o lobby para a regularização do jogo no país. A Lei Pelé foi revogada e, a partir de 2003, as casas foram proibidas de funcionar. Coincidentemente, em 2004, o jogo do bicho estende seus tentáculos sobre o braço político dos bingos no Rio. O advogado Júlio César Guimarães Sobreira, sobrinho do Capitão Guimarães, é eleito secretário-geral da Associação de Bingos do Estado (Aberj). Ele e os últimos dois presidentes da associação, José Renato Granado Ferreira e Paulo Ferreira Lino, foram presos durante a Operação Hurricane.

O segundo escalão da contravenção preso pela PF é o caminho para se chegar à participação dos capos no mercado de bingos. No caso de Anísio e Capitão Guimarães, são eles: Laurentino Freire dos Santos, Licínio Soares Bastos e Nilson Soares Bastos, além de Júlio César e José Renato, ex-presidentes da Aberj. Júlio César, assim como Laurentino, representa os interesses do bicho no setor. A partir de sua entrada na Aberj, nada mais se faz em termos de casa de jogo sem o sinal verde da contravenção. De acordo com contrato social arquivado na Junta Comercial, Júlio César é dono do Serra Bingo, em Petrópolis, e do restaurante Mutreca, que funciona dentro da casa, junto com Danilo Jorge de Oliveira.

Laurentino também tem Danilo como sócio, o que une os três no negócio de bingos como testas-de-ferro de Anísio e Capitão Guimarães. Segundo a divisão territorial estabelecida pelos bicheiros, Anísio tem o controle das casas na Barra da Tijuca e Guimarães, em parte de Niterói. Juntos, eles criaram uma espécie de holding para aumentar o faturamento nas duas áreas.

Os contratos sociais mostram que Laurentino se tornou sócio do Barra Bingo, um dos mais rentáveis do Rio, em 15 de janeiro de 2002, quatro anos após o início da atividade da casa. As informações da polícia são de que o Barra Bingo fatura cerca de R$20 milhões menais. Laurentino deixou a sociedade no final daquele ano. Ele também foi dono, até 2002, do Bora Bingo, em Bonsucesso, e do Bingo Icaraí.

Embora não apareça nos contratos, Licínio Soares Bastos é sócio oculto de vários bingos. Ele é procurador da empresa off-shore Blue Games LLC, com sede em Delaware, da Flórida; e sócio do Barra Bingo e do Bora Bingo, em Bonsucesso, entre outros. Outro que tem procuração da mesma off-shore é Nilton Soares Bastos, também preso. A PF está investigando a Blue Games LCC, que pode revelar muito sobre a rota do dinheiro do faturamento das casas de jogo para o exterior. A PF, em seu relatório, informa que Licínio é responsável, entre outros, pelo Bingo Saens Peña, junto com Laurentino.

No que diz respeito a Turcão, O GLOBO apurou que o alvo da PF é o filho dele, Marcelo Kalil Petrus, que explora o ramo, inclusive de caça-níqueis. Desde sábado é considerado foragido e procurado pela Polícia Federal.

Filho de bicheiro é dono de bingos

Marcelo é de fato uma figura importante no esquema montado pela contravenção. Ele é o braço de Turcão no ramo, cujo esquema se sustenta mais na estrutura familiar do que em "laranjas". De acordo com os documentos obtidos pelo GLOBO, ele é ou foi sócio de 12 empresas, algumas de loteria, como a MCDA Loterias, e de máquinas eletrônicas de diversão, como a Mack Games Diversões Eletrônicas. Segundo a PF, embora não apareça nos contratos sociais, Marcelo é o dono de fato de vários bingos em Niterói.

Ele chegou a ser citado no inquérito do caso Waldomiro Diniz. Durante a investigação, um empresário do Bingo República de Goiás, Carlos Roberto Martins, contou, em seu depoimento, que Marcelo explorava o mercado de máquinas de fliperama no estado, mas que não sabia à época que ele era filho do bicheiro Turcão.