Título: Frutos da delação
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 24/04/2007, O Globo, p. 2

No espanto com as manchas podres do Judiciário, reveladas pelas operações Hurricane e Têmis, surge a notícia de que a Polícia Federal e o Ministério Publico só puderam chegar a estas conexões graças a informações obtidas na investigação do caso valerioduto/mensalão. Há um quase conforto na constatação de que a delação premiada, pelo menos neste caso, rendeu bons frutos no combate à corrupção, e de que aquele escândalo tem tido serventia real, para além da luta politica que propiciou em 2005.

Especulava-se muito ontem, nos meios político e judiciário, sobre a identidade do informante. Comenta-se que o próprio Marcos Valério é que teria informado ao procurador-geral, dentro do acordo de delação premiada, que atuou como intermediário no pagamento de uma sentença vendida por um dos magistrados de São Paulo. O nome do santo pouco importa. Importante é que a delação premiada, ainda vista com ceticismo, propiciou esta grande investida contra o crime, atingindo agora o poder sempre tido como intocável ou inatingível, embora há muito o Judiciário já não desfrutasse da áurea de incorruptível.

O nivelamento dos poderes, a evidência de que todos já foram contaminados, é uma triste constatação. Mas parece haver alguma coisa de positivo no fato de não haver mais razão para a soberba, como se apenas o Congresso chafurdasse na lama. O Congresso tem sido o Poder mais aberto, mais permeável, mais transparente e sujeito a maior fiscalização, pelos demais poderes e pela sociedade, através da imprensa. Também por isso sua queda foi maior. Quando o mal se generaliza, a reação do organismo social pode ser mais forte.

Tem razão o deputado Chico Alencar quando diz que, no curso dessas revelações, os congressistas adotam um silêncio estranho, como se nada tivessem com tudo isso, embora o Legislativo também tenha sido arranhado nestes novos escândalos.

- Acho muito estranho este silêncio do "não é comigo", esta postura de Parlamento que não parla, de lideranças partidárias que não exprimem a posição de seus partidos quando surgem os fatos incômodos. Vimos isso na legislatura passada, estamos vendo agora, e nada mais parece nos espantar.

Isso está mesmo acontecendo, no que diz respeito ao Legislativo, mas a postura do Judiciário foi ainda mais desconcertante. Não se ouviu uma palavra forte e clara de condenação por parte do Conselho Nacional de Justiça, que existe para controlar a Justiça. E houve, para espanto geral, a libertação dos magistrados presos em flagrante. Apenas deles. Por mais sólidos que tenham sido os fundamentos jurídicos, a libertação deixou na sociedade forte impressão de corporativismo. No domingo, no aeroporto de Brasília e no do Rio, era esta a natureza dos comentários por parte dos que viram embarcar e desembarcar, como se apenas passeasse, um dos magistrados liberados, o desembargador Ricardo Regueira, que ainda se irritava com quem o olhava com alguma atenção.