Título: Mais um em liberdade
Autor: Brígido, Carolina e Carvalho, Jaílton
Fonte: O Globo, 24/04/2007, Rio, p. 12

Terceiro desembargador preso pela PF é solto, reacendendo debate sobre foro privilegiado.

Depois de passar dez dias na cadeia, o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Campinas Ernesto Dória deixou, na madrugada de ontem, a carceragem da Polícia Federal, em Brasília. No mesmo dia em que Dória foi solto, a polêmica em torno da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu a liberação dele e dos desembargadores Carreira Alvim e Ricardo Regueira da PF em Brasília, foi reacesa. O presidente da OAB, Cezar Britto, criticou a decisão do ministro Cezar Peluso, relator do caso no Supremo, mas o ministro Marco Aurélio Mello defendeu o colega de STF.

Já o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, que denunciou os três e o procurador regional da República Sérgio Leal por formação de quadrilha, corrupção passiva e prevaricação, e por isso pediu a prisão dos investigados, fez uma advertência aos magistrados:

¿ Se continuarem atuando, serão denunciados por este delito pelo Ministério Público.

A ordem de prisão contra o desembargador Dória foi relaxada, liminarmente, pelo vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Francisco Peçanha Martins, às 22h30m de domingo. Dória era o único dos três desembargadores detidos na Operação Hurricane que ainda permanecia na cadeia.

Desembargador tinha posse ilegal de armas

O desembargador estava preso porque contra ele ainda pesava um mandado de prisão em flagrante por posse ilegal de armas. Num despacho de uma página, Peçanha Martins disse que não via motivos para manter Dória por mais tempo na cadeia. Para o ministro, não existe risco de o desembargador interferir no andamento das investigações sobre o esquema de venda de decisões judiciais desbaratado pela Operação Hurricane.

Ao criticar o ministro Peluso, o presidente da OAB defendeu que sejam uniformizados os critérios para o desmembramento de investigações. Britto citou o exemplo do inquérito do mensalão, que conta com vários suspeitos sem direito a foro privilegiado, mas tramita no STF. Ao desmembrar a investigação sobre a máfia dos caça-níqueis, Peluso enviou o processo contra os acusados que não tinham foro privilegiado para a Justiça Federal do Rio, que decidiu que os outros 21 denunciados deveriam permanecer presos.

¿ É importante que o STF uniformize a questão, evitando a dúvida da população e das autoridades que investigam os delitos e apontando qual a forma correta de encarar o foro privilegiado nesses casos em que os investigados têm natureza diversa ¿ argumenta Britto.

Marco Aurélio: ¿Não há corporativismo¿

Embora criticada pela OAB, a decisão de Peluso de mandar soltar os magistrados e o procurador recebeu apoio do ministro do STF Marco Aurélio, que a considerou técnica e imparcial. Para Marco Aurélio, não houve corporativismo em liberar apenas autoridades e manter presos os outros investigados ¿ bicheiros, donos de casas de bingo e advogados. O ministro ponderou que Peluso só poderia decidir sobre a liberdade das pessoas com foro privilegiado.

¿ Não há corporativismo. A atuação judicante se faz sem se levar em conta a capa do processo, os envolvidos. O que se considera é o conteúdo.

Para ele, a libertação dos presos neste caso não atrapalharia as apurações.

¿ Não podemos presumir o excepcional, o extravagante, o teratológico, o absurdo, que é a interferência indevida, principalmente quando os holofotes estão direcionados a essas pessoas ¿ alegou o ministro.

O próprio Antonio Fernando não quis criticar a decisão de Peluso. Ele acha que a revogação das prisões não deverá prejudicar o andamento das investigações:

¿ O ministro Peluso deu as razões de convencimento pessoal pelas quais deixou de deferir o pedido. Eu não vejo razão para corporativismo, da mesma forma que o desmembramento não teve esse objetivo.

Mas frisou que espera a condenação dos acusados:

¿ A convicção é que essas pessoas contra as quais eu ofereci denúncias realmente cometeram delitos. Espero, portanto, que haja condenação afinal e elas sejam responsabilizadas.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, também defendeu a decisão de Peluso:

¿ Não há nenhum erro técnico nas decisões tomadas até agora.

O juiz Walter Maierovitch, ex-titular da Secretaria Antidrogas, se disse perplexo com a decisão de Peluso. Para ele, os argumentos que levaram o ministro do STF a conceder a prisão temporária de todos os 25 acusados no início da Operação Hurricane são os mesmos que a juíza da 6ª Vara Federal levou em consideração ao decretar a prisão preventiva dos 21 acusados que não têm foro privilegiado.

¿ Quando a PF tinha mandados de busca e apreensão contra os ministros, o STF achou que era imprescindível a prisão dos acusados para a execução do inquérito. Além disso, todos não acusados de pertencerem à mesma organização criminosa? Não fazem parte do mesmo esquema? A lei diz que todos iguais perante a lei. Por que o tratamento foi diferenciado? Acho que a Justiça pode cair no desprestígio.

Maierovitch disse ainda que a libertação dos magistrados pode fazer com que o processo demore ainda mais:

¿ Quando o réu está solto, não há prazo para julgamento. No caso de presos, a Justiça tem até 81 dias para a conclusão.

Peluso revogou as prisões, mas não chegou a julgar os pedidos de prisões preventivas feitos pelo procurador-geral. Esta decisão caberá ao plenário do Supremo, que deverá julgar o pedido em maio. Já o pedido de liberdade provisória do desembargador Dória, liberado ontem, foi apresentado ao STJ no início da tarde de domingo pelo advogado Cleber Lopes de Oliveira. Inicialmente caberia ao presidente do tribunal, Raphael Monteiro de Barros, deliberar sobre a questão. A assessoria do tribunal chegou a informar que só no dia seguinte, ontem, Barros se debruçaria sobre o assunto. O presidente do STJ estava em São Paulo. Mas, no fim da noite, funcionários do tribunal acionaram Peça Martins para apreciar o pedido de liberdade para Dória. Na saída da PF, o desembargador se ajoelhou no chão e ergueu os braços para o alto.

O advogado Luiz Guilherme Vieira, que defende o desembargador José Eduardo Carreira Alvim, disse ontem que orientou seu cliente a não dar declarações e só falar em juízo. Segundo o advogado, a defesa prévia, que tem prazo de 15 dias para ser entregue ao STF, está sendo preparada. Luiz Guilherme, no entanto, não quis adiantar qualquer item que irá constar do documento.

COLABOROU Célia Costa