Título: Outros espantos virão
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 21/04/2007, O Globo, p. 2

Os ventos do furacão e as iras da deusa Têmis continuarão soltos. Depois dessas duas operações da Polícia Federal, uma no Rio e outra em São Paulo, outras virão, alcançando conexões do crime nos três poderes - federais e estaduais. Haverá ações em Brasília e em outras praças. O número de envolvidos chegará à casa da centena.

Autoridades federais e estaduais já foram prevenidas pela Polícia Federal. Podemos ter mais supresas. Com a corrupção de políticos, policiais e servidores públicos já estamos acostumados. O que choca é a comprovação de que a Justiça também apodrece, que sentenças são vendidas, que magistrados ganham mesadas de criminosos. Surgiram indícios de que as organizações criminosas - a máfia paulista dos bingos e a carioca dos bicheiros-bingueiros - tentaram influenciar até decisões do STF e teriam financiado campanhas de pelo menos dois deputados. Todas essas revelações deixam a aflitiva sensação de que o crime avança, se estrutura e se entranha no Estado, corrompe nos três poderes, financia candidatos e pode em breve ter uma bancada no Congresso, ameaçando o próprio estado de direito.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, não tem esta visão catastrofista. Diz ele que as conexões entre crime e poder, não só aqui, sempre existiram. A novidade estaria no avanço das investigações e na revelação do que sempre esteve oculto.

- A Polícia Federal vem se afirmando como polícia de Estado desde a redemocratização e desempenhando com vigor crescente esse papel. Nas últimos anos o crime sofisticou-se globalmente, mas só nos últimos dez anos a PF começou a se valer de recursos mais modernos de inteligência e investigação. O que avança, portanto, é o combate ao crime, embora pareça o contrário - diz ele.

O deputado Marcelo Itagiba, ex-delegado e ex-secretário estadual de segurança, concorda. Já vimos este filme outras vezes, no Rio mesmo, com a prisão de bicheiros, no Espírito Santo, em outros estados, diz ele. Bicheiros, quando presos, são enquadrados como contraventores, embora o jogo seja biombo para crimes graves, que vão de homicídios a lavagem de dinheiro. Concorda com o ministro sobre o momento afirmativo da PF, mas acha que ela ainda carece de mais autonomia, inclusive orçamentária. Mas todo este esforço será inútil se a impunidade persistir. As organizações criminosas, por exemplo, nem estão tipificadas no código penal. A formação de bando ou quadrilha ali é crime leve, punido com prisão de dois a quatro anos. Urge corrigir o conceito e a pena. O Congresso continua devendo votações do pacote de segurança. É o que promete, para a próxima semana, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, depois de concluídas as votações do PAC.