Título: Risco de enfrentamento
Autor: Novo, Aguinaldo e Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 21/04/2007, Economia, p. 26

O diagnóstico de que o presidente Evo Morales é um fraco dominado por movimentos sociais é errado, diz o historiador da UFRJ Francisco Carlos Teixeira, que prevê "um enfrentamento com a Bolívia". O professor acabou de voltar do país vizinho, depois de passar 32 dias estudando os movimentos sociais bolivianos.

Cássia Almeida

O senhor acha que o presidente Evo Morales está enfraquecido?

FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA: O diagnóstico de que Evo Morales é um governante fraco é errado. Ele usa o discurso nacionalista para controlar e unificar os movimentos sociais em torno dele. Está fazendo com o Brasil o que Hugo Chávez faz com os Estados Unidos, na Venezuela. Ele faz isso conscientemente, não é dominado pelos movimentos sociais.

O que o governo brasileiro fez de errado, desde a última crise há um ano?

TEIXEIRA: O Brasil fez agora uma coisa que deveria ter feito há um ano: mostrar a Evo Morales que há uma linha vermelha, que não pode ser ultrapassada, que são os interesses brasileiros. Mais que um aviso, foi uma advertência. E, com isso, advertiu Chávez, que assessora e aconselha Morales.

De que maneira Morales pode enxergar esse aviso do presidente Lula?

TEIXEIRA: Ele mostrou que vão cessar os investimentos públicos e que vai aconselhar as empresas a fazerem o mesmo. Morales terá que achar outro jeito de unificar os movimentos sociais em torno de si.

Corremos o risco de Evo Morales partir para o enfrentamento com o Brasil?

TEIXEIRA: Acredito que sim. Evo não tem a confiança de todo o movimento social. Há uma franja de 25% desse movimento, representado pela Federação das Juntas Vicinais, que reúne sindicatos de trabalhadores diversos de El Alto e La Paz. Para não ter rompimento com esses movimentos, Morales sacode o fantasma da Petrobras. Além disso, o governo boliviano enfrenta o movimento pela autonomia em Santa Cruz de la Sierra.

Que conseqüências isso pode ter para o Brasil?

TEIXEIRA: Isso vai pôr as relações com a Venezuela e a Argentina também em discussão. Tanto Chávez quanto Néstor Kirchner apóiam esse discurso nacionalista exaltado. Vai começar a campanha para reeleição na Argentina. Temos de lembrar que Kirchner deu calote na dívida, estatizou vários setores e vem manipulando índices econômicos. Não há segurança jurídica também na Argentina. Kirchner é mais manipulador do que o próprio Chávez. Poderá haver problemas sérios no âmbito do Mercosul.

Qual será o caminho do Brasil, então?

TEIXEIRA: É o momento de o Brasil repensar suas alianças estratégicas. Pensar em novos parceiros como Índia, China e Rússia e intensificar os laços com parceiros antigos, como os Estados Unidos e a União Européia.