Título: Na rica Paris, pobres vão às ruas
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 21/04/2007, O Mundo, p. 31

Periferia se dedica à campanha pelo voto útil em Ségolène.

PARIS. Glamourosa e rica ¿ vitrine de uma França que dominou a Europa no passado ¿ Paris, a capital francesa, vivia ontem a excitação dos últimos momentos de uma eleição presidencial que intriga muitos franceses. Nos cafés e nas ruas desta cidade de dois milhões de habitantes, reinava confusão: ninguém, nem mesmo os militantes, se arriscavam a apostar num cenário. Consenso em pelo menos um ponto: esta eleição provavelmente vai colocar no comando da França uma nova geração de políticos que escapa do discurso tradicional de seus partidos.

E como tudo o que é novo, dá medo. Daí porque quase 40% dos eleitores do país estão indecisos. Ontem, uma verdadeira batalha de corpo-a-corpo se travava nas ruas de país, em busca do voto dos indecisos.

¿ Ségolène Royal vai ser o nosso Lula! Ela fala a linguagem do povo. Ela vai mudar a França ¿ dizia a professora de francês Christiane Gayerie, 57 anos.

Ela foi para a Praça da Bastilha com um grupo de militantes pedir votos para Ségolène Royal, a candidata do Partido Socialista. Emmanuel Merino, sociólogo aposentado, 65 anos, amigo do ex-primeiro ministro Lionel Jospin, era outro em campanha.

¿ Na América Latina os excluídos estão hoje no poder. Nós vamos fazer como os latino-americanos: vamos mudar a Europa ¿ disse Merino, citando, entre os excluídos que subiram ao poder, os presidente Lula e Evo Morales, na Bolívia.

Periferia vai às ruas em campanha contra Sarkozy

Merino lamenta que a França, tão rica, esteja dividindo mal sua riqueza. O partido socialista cita estatísticas mostrando que 3,6 milhões de pessoas ganhavam o salário mínimo (cerca de 1.200 euros) na França em 2005, isto é 23,81% dos assalariados. Ao mesmo tempo as empresas cotadas na bolsa CAC 40 batem recorde de lucros. Paris e sua região (Île-de-France, que inclui as periferias) são um grande pólo de riqueza: contribuem com 28,8% do Produto Interno Bruto (PIB) da França. Mas Paris é também a cidade das contradições, onde a riqueza é mais visível, mas também onde a taxa de desemprego bate 10,3%. Onde os sem-teto acampam nas ruas e milhares de carros são incendiados nas periferias, onde os jovens estão sendo conclamados a comparecer em massa às urnas.

¿ Passei o dia circulando num carro com alto-falante para mobilizar as pessoas a irem votar no domingo. Pelas minhas conversas no mercado, eu suponho que aqui não se vai votar em Sarkozy ¿ ironiza Benyoussef Bouzidi, um dos líderes da organização Acelefeu, criada depois da revolta para lembrar dos ¿esquecidos¿.

Nicolas Sarkozy, candidato da UMP, partido da direita, é o homem que os jovens da periferia detestam. Eles não o perdoam por ter usado a palavra racaille (gentalha) ao se referir aos jovens problemáticos. Comprou uma briga tão grande que não conseguiu voltar para fazer campanha. Paris é uma cidade comandada pela esquerda: o prefeito é socialista, bem como a maior parte das prefeituras dos bairros. E toda esta máquina está trabalhando a fundo para a campanha de Ségolène Royal. Na prefeitura do 12º arrondissement, um dos bairros de Paris, o vice-prefeito Jean-Pierre Guis não descarta o risco de Ségolène não passar para o segundo turno, com tantos indecisos. Mas ele aposta no voto útil: a esquerda vai se unir contra Sarkozy.

¿ Há uma brasilianização da campanha. As pessoas estão saindo às ruas, e se mostrando com camisetas de Ségolène Royal ¿ diz.

Mas Sarkozy tem aqui também o seu eleitorado fiel, especialmente nas classes sociais mais altas, como Gerard Laurent, ex-chefe de empresa, hoje aposentado. Ele diz que os franceses estão vivendo de assistencialismo, e que não se deve se surpreender com o fato de o país estar crescendo pouco: com uma lei que limita em 35 horas o trabalho por semana, a França, argumenta, produz menos e mais caro.

¿ Sarkozy vai colocar a França para trabalhar. (Deborah Berlinck)