Título: O dispositivo sindical testou o país
Autor: Gaspari, Elio
Fonte: O Globo, 25/04/2007, Opinião, p. 7

Na manhã de segunda-feira, as centrais sindicais apresentaram ao país o seu dispositivo de emparedamento das instituições. Durante duas horas, a partir das 4h30m, a CUT e a Força Sindical paralisaram os serviços do metrô de São Paulo. Pararam também terminais rodoviários. Em Porto Alegre, bloquearam a BR-116. Em Caxias do Sul e Sorocaba, suspenderam os serviços de transporte público. Prejudicaram a vida de quase 1 milhão de pessoas.

Em tese, foi um protesto contra a Emenda 3, muito justamente vetada por Nosso Guia em março. Na prática, foi uma demonstração de que essas centrais e seus dispositivos podem desorganizar os serviços públicos das grandes cidades brasileiras para impor suas vontades ao Congresso.

Deram aos trabalhadores que acordam de madrugada o mesmo veneno que os controladores de vôo impuseram aos passageiros dos aeroportos no dia 31 de março passado.

Não foi uma greve de trabalhadores, mas uma demonstração de força do aparelho do comissariado, amparada em lorotas. Esta, por exemplo, de Rosane Silva, secretária de Políticas Sindicais da CUT: ¿Meia dúzia de parlamentares querem assaltar o direito a férias, o 13º salário, as licenças maternidade e paternidade, fazendo com a Emenda 3 uma reforma na legislação contra os trabalhadores.¿

A Emenda 3 pretendeu esterilizar a capacidade da Receita Federal de reprimir prontamente contratos que ludibriam a legislação trabalhista.

Nosso Guia a vetou, defendendo a bolsa da Viúva e a caixa da Previdência Social. Pode-se sustentar que a emenda dá conforto a fraudes deliberadas, mas deve-se respeitar o Poder Legislativo. Ela foi aprovada por 64 senadores e 306 deputados, não por ¿meia dúzia de parlamentares¿. A Emenda não tira direito algum do trabalhador. Ela dificulta a fiscalização de quem fabrica contratos que, em muitos casos, disfarçam relações trabalhistas sob o manto de falsas pessoas jurídicas prestadoras de serviços. Quem quiser combatê-la por isso terá boas razões. Não precisa torcer os fatos.

O comissariado sindical ressuscitou uma tecnologia grevista do século passado, quando os trens do Rio de Janeiro paravam na hora do rush até por conta da prisão de um maquinista. (Havia o dedo da meganha no lance, mas essa é outra história.)

Com o veto de Lula, os defensores da Emenda 3 precisam de três quintos das duas Casas do Congresso para ressuscitá-la. Esse é o rito constitucional. É razoável que as centrais sindicais reúnam seus militantes nas ruas, nos sindicatos e no Congresso. Imobilizar trabalhadores por meio da manipulação estratégica de algumas dezenas de metroviários é ilegalidade, oportunismo e covardia.

O apagão de transportes de segunda-feira foi um ensaio. Testaram o dispositivo, os governos federal e estaduais, bem como a opinião pública. Pelo visto, deu certo, pois a máquina de divulgação da CUT comemorou: ¿Mobilização 100% vitoriosa em São Paulo¿.

Reclamou-se menos do prejuízo imposto a 1 milhão de pessoas do que se chorou no caso do apagão dos controladores. Com um Congresso onde se mutretam gastos com gasolina e uma oposição que deixa o cabelo crescer para ficar com as tranças de Julieta, Nosso Guia poderá fazer o que quiser. Se tiver dificuldade, soltará o aparelho sindical em cima de quem ficar no seu caminho.

ELIO GASPARI é jornalista.