Título: Cresce pressão de Lula a Marina
Autor: Franco, Ilimar
Fonte: O Globo, 25/04/2007, Economia, p. 23

Presidente contesta entraves a licenciamentos e acelera opção por energia nuclear.

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva, irritado com o que considera uma atitude pouco eficiente do Ibama, deu início a uma operação que tenta enquadrar o órgão e o Ministério do Meio Ambiente. Em conversa recente com a ministra Marina Silva, que se repetiu no fim da tarde de ontem, Lula informou-a de que, diante do empacamento do licenciamento ambiental das principais obras para produção de energia por hidrelétricas, o governo retomará o programa nuclear brasileiro, com a construção de Angra 3 e de outras cinco usinas, e a concessão para a instalação de novas termelétricas.

O governo armou ainda uma estratégia de contestação dos pareceres do Ibama que levaram ao adiamento, sem prazo, da concessão do licenciamento das obras das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, orçadas em cerca de R$20 bilhões. O Ministério de Minas e Energia enviou ontem ao órgão e à Casa Civil cinco relatórios favoráveis aos empreendimentos, produzidos por especialistas brasileiros e estrangeiros.

O colapso no abastecimento de energia é visto, na coordenação de governo, como o principal entrave à expansão futura da economia e à implementação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). As autoridades que retardam ou negam licenciamento para as hidrelétricas também são contrárias às energias nuclear, diferentemente da maioria dos integrantes do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), e térmica, cujos danos potenciais ao meio ambiente são maiores.

Lula disse a assessores que não ficará de braços cruzados e que o Ibama não poderá simplesmente ficar contra todas as formas viáveis de produção de energia, levando à paralisia do país.

Lula quer Ibama na fase do "como pode"

O próprio Ibama informa que o licenciamento de termelétricas é uma atribuição estadual. No caso de Angra 3, a liminar que paralisava o licenciamento foi suspensa na semana passada, por unanimidade, pelo Tribunal Regional Federal do Rio. Caberá ao Ibama a análise. A pergunta é se o órgão afrontará Lula.

- Nossa posição é pública. A ministra Marina Silva é contrária a essa decisão do governo. Nossa posição se deve à ausência de uma tecnologia segura para destinação dos resíduos tóxicos - afirmou Bazileu Margarido Neto, chefe de gabinete da ministra.

Lula determinou ainda à diretoria do Ibama que seus técnicos abandonem a fase do "não pode" e passem para a do "como pode", ou seja, atuem como órgão de governo, a favor de seus projetos. Quanto ao licenciamento das obras do PAC, Bazileu disse:

- O número de licenciamentos aumenta ano a ano desde 2003. Há quatro anos, tínhamos 70 analistas, hoje, temos 120, e estamos contratando mais 42 concursados para agilizar os licenciamentos do PAC.

Em reunião recente, com a participação de Lula e dos ministros de Minas e Energia, Silas Rondeau, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, Marina sugeriu que o governo abandonasse a produção de energia hidrelétrica - apesar de os rios do Norte terem capacidade de produzir 180 mil megawatts - e apoiasse a energia alternativa, investindo no desenvolvimento de equipamentos e tecnologias para energias eólica (vento) e solar.

Lula endureceu com a área do meio ambiente após o adiamento, sem prazo definido, da licença das usinas do Rio Madeira, anunciado por Marina na sexta-feira. Lula se queixara, na véspera, de que "um dia eles (técnicos do Ibama) apresentam um problema, outro dia um novo, adiando os investimentos em energia de que o país precisa para crescer". O presidente demonstrou irritação com preocupações com espécies de bagres.

Diretor de Licenciamento do Ibama, Luiz Felipe Kunz explicou que o parecer dos oito analistas do órgão não tem argumentos suficientes para já descartar a viabilidade de Santo Antônio e Jirau. Além disso, os técnicos cometeram um erro processual, pois pediram um novo estudo de impacto ambiental da obra, o que a atrasaria ainda mais. Por isso, Kunz optou por pedir só informações complementares, para se chegar a um veredicto:

- Os analistas não recomendaram a concessão de licenciamento prévio agora. Estamos pedindo informações complementares sobre os riscos representados pelo sedimentos transportados pelo rio, a migração e a desova de peixes e os efeitos do mercúrio, utilizados nas dragas de garimpo na região de Porto Velho.

Analista contesta laudo ambiental

O governo já tem resposta para esses questionamentos. O GLOBO obteve cópias dos cinco relatórios sobre a questão dos peixes e dos sedimentos sistematizados pelo Ministério de Minas e Energia. Num deles, o presidente do Instituto Internacional de Ecologia, o pesquisador José Galizia Tundisi, diz que "as condições de operação das obras são extremamente favoráveis à manutenção do funcionamento ecológico do sistema Rio Madeira".

Na semana passada, Lula já informara a interlocutores que uma das alegações do Ibama, a do fluxo dos sedimentos, tinha sido desautorizada por um especialista internacional contratado pelo Ministério de Minas e Energia, o engenheiro francês Sultan Alan. Ele é endossado por outros três especialistas, do Rio, de São Carlos (SP) e de Porto Alegre - Carlos Tucci, Tundisi e Nilton Carvalho. Um assessor de Lula disse que a dúvida sobre os sedimentos teria até sido resolvida em reuniões com os oito analistas do Ibama, mas estes não incorporaram o parecer.

Quanto à migração e à desova dos grandes bagres (dourada e piramutaba), o Ministério de Minas e Energia enviou quatro relatórios de PhDs: Angelo Antonio Agostinho, da Fundação Universidade Estadual de Maringá; Domingo Rodriguez Fernandez, responsável pelo programa de conservação de peixes de Itaipu; e dois especialistas em peixes do Amazonas - Nídia Fabri, da Universidade Federal de Alagoas, e Jansen Zuanon, pesquisador do INPA. Para eles, a transposição para permitir a migração foi bem-sucedida em Itaipu, e, no Madeira, as condições topográficas são mais favoráveis.

"Ao enfatizar os piores cenários para os impactos previstos, o parecer (do Ibama) adquire tons catastrofistas que mais atrapalham do que auxiliam nas análises", diz Zuanon.