Título: Ibama & Sultan
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 25/04/2007, Economia, p. 24

O ministro Silas Rondeau, de Minas e Energia, disse que desconhece qualquer parecer técnico do Ibama que seja contra as hidrelétricas do Rio Madeira e que não acredita em objeção depois da análise feita pelo especialista Sultan Ali. O fato é que o parecer técnico do Ibama existe, faz inúmeras objeções à obra, mas não foi aceito pelo diretor de licenciamento do Ibama, que está de saída do governo.

Caro leitor, se você ficou um pouco confuso com o primeiro parágrafo desta coluna, saiba que não está sozinho. Fatos estranhos estão acontecendo no governo em relação às hidrelétricas do Rio Madeira, maior jóia da coroa do PAC.

Do começo: desde maio do ano passado, o Ibama vem analisando o Estudo de Impacto Ambiental das usinas. A equipe técnica concluiu que a obra não é viável ambientalmente e recomendou que a licença não fosse concedida. O diretor de licenciamento ambiental, Luiz Felippe Kunz, disse que havia uma contradição entre dois parágrafos do parecer técnico de 256 páginas e, por isso, não o aceitou. Admitiu, porém, que não era possível conceder agora a licença.

O ministro Silas Rondeau, com quem conversei ontem, disse que não havia parecer algum de que ele tivesse conhecimento e afirmou não acreditar que a licença seja negada. Uma das razões dessa convicção é que foram trazidos ao Brasil especialistas internacionais para falar do assunto, e eles teriam atestado que os problemas levantados por técnicos do Ibama não existem:

- Contratamos os maiores especialistas do mundo; entre eles, a maior autoridade em sedimentologia, indicado pelo Banco Mundial, Sultan Ali, e todas as dúvidas foram resolvidas. No seu parecer, ele disse que pode afirmar que, do ponto de vista da concepção, o projeto do Rio Madeira é um dos melhores que ele já conheceu.

Perguntei ao ministro se o governo estava trocando o Ibama pelo Sultan.

- Não é isso. A obra só vai sair se o Ibama concordar, mas é difícil, depois do suporte técnico dado por estes especialistas, que haja alguma dúvida - respondeu.

O problema é que existem muitas dúvidas no parecer rejeitado do Ibama. Rondeau disse que vai esperar "resignado" a resposta do Ibama, mas o prazo é até maio.

- Depois disso, terei que contratar uma térmica a carvão para substituir a energia que seria gerada pelas usinas. Ou então construir uma usina nuclear - afirmou, considerando como únicas alternativas justamente as mais controvertidas do ponto de vista ambiental. O carvão, por ser o mais poluente; a nuclear, por dividir opiniões.

Ou seja: o Ibama pode tudo, menos dizer não ou atrasar a resposta. E, até agora, tudo o que o instituto tem é o relatório dos técnicos recomendando que se diga não à obra, e o diretor demissionário de licenciamento recusando o não, mas avisando que a resposta não pode ser dada agora. Enquanto isso, aumenta a disputa pelo cargo de presidente do Ibama e por outros cargos que estão ficando vagos no órgão.

Os técnicos disseram que há muita incerteza. "Dado o alto grau de incerteza envolvido no processo; a identificação de áreas afetadas não contempladas no estado; o não dimensionamento de vários impactos com ausência de ações mitigadoras e de controle ambiental necessárias à garantia do bem-estar das populações e uso sustentável dos recursos naturais; e a observação do Princípio da Precaução, a equipe técnica concluiu não ser possível atestar a viabilidade ambiental dos aproveitamentos hidrelétricos Santo Antônio e Jirau, sendo imperiosa a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental, mais abrangente, tanto em território nacional quanto em territórios transfronteiriços, incluindo a realização de novas audiências públicas. Portanto, recomenda-se a não emissão da Licença Prévia." O parecer é assinado por oito analistas do Ibama.

Eles identificaram vários problemas: o risco de sedimentação pelo fato de o Rio Madeira ser muito barrento e produzir de 500 a 600 milhões de toneladas/ano de sedimentos - 50% de toda a carga de sedimentos do Rio Amazonas, apesar de o Madeira ser só 15% da vazão. Isso pode afetar o funcionamento da usina e aumentar a área de alagamento. Outro problema: altera o regime migratório dos peixes para reprodução; peixes importantes na cadeia alimentar, inclusive das pessoas. Um desses peixes, a dourada (de uma família diferente da dos bagres), levou o presidente a reclamar no Conselho Político que o Ibama estava querendo negar licença à obra por causa de um bagre.

Há riscos de afetar a produção de peixes rio acima, o que poderia, inclusive, atingir os países vizinhos, entre eles, a encrenqueira Bolívia.

O parecer técnico rejeitado do Ibama diz que os empreendedores - Odebrecht e Furnas - não apresentaram alternativas ao projeto, nem em termos de localização no Rio Madeira, nem em termos de outras bacias. Quanto à localização, disseram apenas que era "interessante e estratégico". O Ibama afirma que é preciso prevenção contra malária na região, já que a área passará a ser ocupada por pessoas de outras partes do país. Avisa que não se considerou o que aconteceria em casos de eventos extremos, como La Niña. Quem atravessa todo o estudo se dá conta de que existem mesmo ainda muitas perguntas sem respostas. Mas a única resposta que o governo quer do Ibama é um redondo "sim". E pra já: agora, em maio. Do contrário, ameaça com termelétrica a carvão ou usina nuclear.