Título: O pêndulo do atraso
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 26/04/2007, Opinião, p. 7

A História mostra que os regimes políticos latino-americanos oscilaram entre autoritarismo golpista e governos populistas que, embora tenham feito progressos em relação à inclusão política e social das massas urbanas, foram incapazes de promover a estabilidade político-institucional em nosso continente. Esse movimento político pendular revela as dificuldades para a construção de democracias modernas e estáveis na América Latina. Democracias modernas necessitam de instituições políticas maduras, partidos políticos representativos, Estado eficiente, cidadania atuante e inclusão social de toda população. Somente dessa maneira se assegura o desfrute dos direitos políticos, fundadores do regime democrático, e dos direitos sociais e econômicos, legitimadores da democracia.

Ora, nem os regimes autoritários nem os governos populistas contribuíram para fundar democracias modernas na região. Os primeiros, por motivos evidentes. Já os segundos, por razões mais complexas. Apesar de o populismo clássico latino-americano ter conseguido em alguns países, como Brasil e Argentina, incorporar massas urbanas ao processo político e expandir alguns direitos sociais e econômicos, ele foi incapaz de criar as condições necessárias para a construção da democracia moderna. Essa incapacidade tange às próprias características intrínsecas do populismo. Com efeito, essa prática política normalmente cria uma relação direta entre o povo e os líderes, que tende a fragilizar o Legislativo e o Judiciário, bem como os partidos políticos. O desprezo pelos aspectos "formais" da democracia é outra característica do regime populista que o faz colidir com o livre exercício dos direitos políticos, inclusive com o da liberdade de expressão.

Pois bem, após o ciclo das ditaduras latino-americanas, esperava-se que as jovens democracias da região trilhassem o caminho de sua consolidação e modernização, superando o movimento pendular do atraso político. No entanto, não foi o que aconteceu em boa parte dos países. O problema é que a redemocratização do continente foi acompanhada de políticas ortodoxas que fracassaram em expandir e consolidar direitos sociais e econômicos da população. Em anos recentes, a reação política motivada por essa frustração resultou em regimes "neopopulistas", notadamente em países andinos. Embora legitimamente eleitos, tais regimes exibem a tendência de repetir erros do clássico populismo latino-americano, o que poderá redundar em crescente debilidade das suas frágeis instituições e até em governos de perfil antidemocrático.

Porém, as tendências antidemocráticas na América Latina não estão restritas a regimes "neopopulistas". O aparecimento de governos que surgiram de forças políticas que estavam fora do espectro ideológico das elites tradicionais suscita, por vezes, reações que resvalam para um maldisfarçado golpismo. Na recente crise brasileira, por exemplo, não faltaram tentativas de deslegitimar o voto popular, com a absurda alegação de que o voto em Lula era escolha daqueles a quem não importavam os valores democráticos, mas apenas os benefícios do programa Bolsa Família. Essa tentativa de desqualificação do voto desqualifica a própria democracia.

Na América Latina, região conturbada e marcada por conflitos sociais, a construção de democracias modernas é tarefa árdua que demanda compromissos de longo prazo com o fortalecimento das instituições e políticas consistentes de inclusão socioeconômica. É caminho difícil que passa ao largo da tentação populista, mas que também tem de esquivar tentativas de macular o Estado de direito, sob o pretexto de proteger a democracia. Felizmente, esse foi o caminho escolhido pelo Brasil e por outras nações.

Parece-nos importante que o Brasil se mantenha nesse rumo responsável de aprimoramento contínuo de sua democracia, de forma a demonstrar, em seu entorno geográfico, a consistência única dessa trajetória. A recompensa deverá ser uma América Latina unida pelo pior dos sistemas políticos, à exceção de todos os outros, inclusive do golpismo e do populismo, faces da mesma moeda do nosso atraso político.

ALOIZIO MERCADANTE é senador (PT-SP).