Título: 'Educação é trabalho árduo, não é euforia'
Autor: Guedes, Ciça e Lamego, Cláudia
Fonte: O Globo, 26/04/2007, O País, p. 9

PLANO PARA O ENSINO: "É preciso perspectiva histórica. A dívida social dos governos se acumula desde os anos 70".

Educadores elogiam itens do plano mas criticam tom espetaculoso usado no lançamento, que poderia prejudicar implantação.

O tom espetaculoso do lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) desagradou a educadores e gerou desconfiança em relação à implantação das medidas. Os especialistas elogiaram diversos itens do pacote, mas acham pouco provável que o Brasil atinja patamares de Primeiro Mundo na educação ainda no governo do PT, como afirmou o presidente Lula na cerimônia.

- O plano veio bombasticamente, com um tipo de discurso muito próprio deste governo. Mas é preciso ter perspectiva histórica. A dívida social dos governos vem se acumulando desde meados dos anos 70, quando a escola tentou se democratizar para atender não só às crianças da classe média. Entraram o pobre, o negro, o filho do indígena, foram postos outros desafios à educação que requerem mais qualificação do professor e sofisticação na administração da escola. Eu optaria pelo investimento na organização, na infra-estrutura. Também mudaria o currículo, que está muito magro, e daria mais tempo de horas-aula - diz Ezequiel Teodoro da Silva, presidente da Associação de Leitura do Brasil e ex-secretário de Educação de Campinas (SP).

- Quando um plano é lançado, tem que se conter a euforia. Educação é trabalho árduo, não é euforia. Temo que essas coisas se transformem numa grande bandeira cujo fundo não tem nada, e não será carregada por ninguém. Como esses projetos vão ser implementados? A distribuição de verbas vai ser fiscalizada com rigor? Não quero me reportar a outros desvios, mas temo que haja, como vemos tantos casos de corrupção, desvio de dinheiro público na educação - diz Iris Rodrigues de Oliveira, chefe de departamento da Faculdade de Educação da UFRJ.

Medidas simples também já ajudariam

Para a professora, um dos problemas mais urgentes da educação no Rio, a falta de professores, necessitaria não de um plano, mas de medidas simples para resolvê-lo imediatamente:

- O grande problema no Rio é o desvio de função. É preciso fazer um levantamento dos concursados, se são qualificados como docentes e recebem como tal. Eles têm que estar em sala de aula, não podem estar como assessores de parlamentares. Colegas de outros estados dizem que a situação não é muito diferente.

"A escola pública se tornou depósito de crianças"

O ex-presidente do Conselho Nacional de Educação Éfrem Maranhão afirma que levar energia elétrica para 700 mil alunos da educação básica, como prevê o programa Luz para Todos até 2009, deveria ser prioridade imediata, assim como a melhoria salarial do professorado:

- O salário dos professores é uma matéria urgente. Ou se tem um aumento e um impacto positivo imediato, ou vai virar frustração. O planejamento de energia elétrica só vai começar no próximo ano. Então, não se pode informatizar escola sem ter energia. Ter luz é prioridade zero, algumas ações devem ser mais imediatas para dar condições de a coisa toda acontecer. E como acontece? Com o professor motivado, com um mínimo de infra-estrutura. Ter um plano é muito bom, porque faz planejamento de médio e longo prazo, mas a educação não se tornará uma das melhores do mundo, não no governo dele (de Lula).

Ezequiel Teodoro da Silva lembra que a escola pública não está "minimamente qualificada" sequer para ser informatizada. Segundo ele, pode-se até instalar os computadores, mas não há um profissional habilitado para instalar programas, combater vírus, fazer o laboratório funcionar.

- Na década de 60 tinha até consultório de dentista dentro das unidades, mas tudo foi tirado da escola. A complexidade maior da cultura, da tecnologia, da própria vida, exige maior sofisticação da administração escolar. Estamos em 2007 e ainda brigamos por biblioteca: 50% das 240 mil escolas públicas do país sequer têm uma. Nas que têm, não há bibliotecário. O governo gasta milhões desde os anos 60 comprando livros didáticos e outros para as escolas, e não há um profissional para organizar essa obras dentro delas - diz o ex-secretário. - Só o salário do professor não alavanca nem enfrenta com qualidade a dívida com a educação. As escolas públicas se tornaram depósitos de crianças.