Título: Conflito das usinas
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 26/04/2007, Economia, p. 26

Pelos próprios cálculos de vida útil das usinas do Rio Madeira, ao final de dez anos, os sedimentos seriam 50% do lago, ou seja, metade estaria assoreada. E quem disse isso não foi o Ibama, mas o estudo de impacto ambiental feito pelas empresas que querem construir as hidrelétricas. Por todas as dúvidas, o Ministério do Meio Ambiente ainda não tem prazo para conceder a licença prévia das usinas.

O governo está jogando todas as fichas nas hidrelétricas do Rio Madeira como se elas fossem a salvação do fornecimento de energia no Brasil. Elas são, de fato, o maior projeto depois de Belo Monte, mas o ministério tem outra contabilidade, que derruba a tese de que eles estão barrando as hidrelétricas:

- Nos últimos quatro anos, demos licença para 21 hidrelétricas; para 18 delas, licença de instalação, e para 8, licença de operação - contou o novo secretário-executivo, João Paulo Capobianco.

- Quando chegamos, havia 44 paradas por problemas judiciais. Hoje existe uma. A hidrelétrica de Belo Monte, que estávamos proibidos pela Justiça de analisar, foi liberada agora. Ela representa 11 mil MW de potência instalada e 4.800 de potência firme - disse o chefe de gabinete da ministra, Bazileu Margarido. Em potência firme, uma Belo Monte é igual às duas do Rio Madeira.

Mesmo que o Ministério do Meio Ambiente aceite as imposições, os riscos continuam. Há outros motivos - além dos ambientais - para ficar com o pé atrás quanto ao que o mercado de energia está chamando de "bala de prata" do governo: as polêmicas hidrelétricas do Madeira. Há riscos fiscais. Qual é o custo final da obra? O orçamento é de R$20 bilhões; isso sem contar as linhas de transmissão, cujo custo o ministro Silas Rondeau diz que não tem como informar com antecedência, pois, como elas vão a leilão, ele não sabe ao certo. Tem apenas uma idéia de quanto será.

Há uma série de custos não contabilizados. Os R$20 bilhões têm grandes chances de virar mais. Tucuruí, que tem um perfil parecido com as usinas do Madeira, custou quase 80% mais que o orçado. Mesmo se sair a licença para a construção, os riscos de paralisação das obras continuam. A usina de Estreito, por exemplo, que já tem a licença de instalação do Ibama, teve a obra paralisada agora por uma decisão da Justiça do Maranhão.

Capobianco rejeita a idéia de que o Ministério do Meio Ambiente está sendo atropelado pelo governo no afã de liberar as usinas do Madeira. Garante que as saídas do presidente do Ibama e do diretor de licenciamento já estavam previstas. A única imprevista foi a do secretário-executivo do ministério. Garante também que o Ibama não será obrigado a dar a licença:

- Caso o órgão conclua pela inviabilidade ambiental, é isso que será dito. A atribuição institucional é do Ibama, e ele fará o relatório correto tecnicamente e com base na legislação em vigor - afirma.

Ele argumenta que o relatório feito pelos técnicos não foi exatamente rejeitado. Apenas indica, em determinado trecho, que deveria ser pedido novo Estudo de Impacto Ambiental. E isso a lei não permite. O que se pode é pedir estudos complementares.

O chefe de gabinete admite que o relatório levanta muitas dúvidas e que elas serão consideradas.

- Estamos construindo todos os processos, contratando especialistas. O parecer de Sultan Alan é parte desse processo, mas ele só analisou Santo Antonio, não analisou Jirau. E tem conclusões diferentes das dos próprios empreendedores - comenta Margarido.

Um dos riscos é que a Vila de Abunã, em Rondônia, perto da divisa com o Acre e da fronteira com a Bolívia, seja alagada nas grandes cheias.

- Pelos próprios cálculos do Estudo de Impacto Ambiental, em dez anos, 50% do volume do lago seria de sedimentos, e isso reduz a vida útil da barragem, mas Sultan Alan fez outros cálculos, menos pessimistas, e, por isso, é possível que se peça a Furnas e Odebrecht que refaçam seus cálculos - explica o chefe de gabinete.

Como se vê, o assunto é complexo e nenhum dos dois funcionários dá prazo para que a licença saia. O processo de análise começou em maio do ano passado, e o ministro Silas Rondeau tem dito que, se não for concedida agora, não haverá possibilidade de se entregar a obra em dezembro de 2012, que é o prazo com que ele trabalha.

Analistas de energia acreditam que o governo insiste tanto nas hidrelétricas do Madeira sobretudo porque seria uma forma de o governo conseguir controlar, em um único projeto, a oferta de energia futura. O que parece bom para o governo é também um risco, pois ele aposta tudo num projeto que, ainda que tenha a autorização do Ibama, tem várias complicações.

Mas caso não saia mesmo a licença, quais são as alternativas para o Brasil? Por enquanto, poucas são apontadas. O governo ameaça com carvão e energia nuclear. A energia alternativa é considerada insuficiente pelos técnicos. Uma possibilidade seria a termelétrica a GNL, o gás natural liquefeito, mas ela é considerada "caríssima".

A sensação que a área energética passa é de beco sem saída, se não houver Madeira. A convicção que a área ambiental passa é que o processo é complexo e será analisado corretamente e que, por enquanto, não há prazos.