Título: Proposta divide também a sociedade
Autor: Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 27/04/2007, O País, p. 3

Resultado apertado na votação se reflete nas opiniões a favor e contra a antecipação

RIO, BRASÍLIA, SÃO PAULO e NOVA YORK. A votação apertada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado da proposta de emenda constitucional que resultou na aprovação da antecipação da maioridade penal no Brasil reflete a divisão da sociedade sobre o tema. O assunto provocou críticas e elogios nos meios político, jurídico, acadêmico e entre as entidades que defendem os direitos das crianças e dos adolescentes.

O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), comemorou a aprovação da antecipação da maioridade penal:

- É uma demonstração da força que essa tese deve ter numa sociedade que precisa se defender da impunidade. Esses menores que praticaram crimes hediondos não podem se sentir protegidos pela lei para reincidir nos atos violentos. Eles hoje ficam tranqüilos porque pensam que não serão punidos. Dizem: "Matei dois? Posso matar 200 porque ninguém vai me prender". Isso tem que acabar.

Já para o ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), a medida não contribuirá para a redução da violência:

- Isso não vai reduzir o índice de criminalidade. Os menores de 18 anos precisam de oportunidade de trabalho, de cursos profissionalizantes, num contexto social de inclusão.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, afirmou que a sociedade pode se arrepender, no futuro, da decisão de antecipar a maioridade penal.

- Pode ser tarde quando percebermos que colocamos no sistema carcerário cidadãos que poderiam ser recuperados pelos métodos de ressocialização - observou.

Para o criminalista Luís Flávio Gomes, a proposta é inconstitucional e não deve ser prioritária num país onde os menores praticam apenas 1% dos crimes violentos. Gomes acha que uma solução seria mudar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aumentando o prazo atual de três anos para internação dos menores:

- Essa é uma medida demagógica, inconstitucional e que não resolve o problema.

O juiz Walter Maierovitch, ex-secretário Nacional Anti-Drogas, concorda com a mudança no ECA e reforça a necessidade de acompanhamento e recuperação dos menores internados.

- Temos que criar um alicerce para depois se pensar na mudança. Quando vai se estabelecer a antecipação? Vão construir presídios para colocar os menores? O Estado tem condições? Os legisladores estão em que Brasil?

Para a professora Ana Lúcia Schritzmeyer, professora do Departamento de Antropologia da USP, a antecipação é um retrocesso em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Ela acha que, se aprovada, a proposta vai resultar no aumento da violência entre os adolescentes.

- Os adolescentes são as principais vítimas da violência por arma de fogo no país. Com a antecipação, eles vão passar a ser cooptados para o crime cada vez mais cedo.

Já o ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP) disse que o Senado agiu "na linha correta", mas defendeu outra estratégia tendo em vista os argumentos de inconstitucionalidade:

- Tão importante quanto discutir a redução da maioridade penal é discutir o tempo de internação do menor previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente vai entrar com pedido de mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal para impedir que continuem, no Senado e na Câmara Federal, as votações sobre o tema. A ação, que será patrocinada pelo jurista Dalmo de Abreu Dallari e pela Associação dos Magistrados e Promotores da Infância e da Juventude (ABMP), alega a inconstitucionalidade, argumentando que direitos de jovens e adolescentes não podem ser suprimidos. Segundo Dallari, o artigo 60 da Constituição garante que poderá ser objeto de deliberação qualquer proposta de emenda que tenda a abolir os direitos e as garantias individuais:

- A aprovação agrada a opinião pública conservadora. Não é à toa que a maioria do Senado é conservadora. São as velhas oligarquias cumprindo o seu papel.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou nota ontem lamentando a aprovação da proposta e afirmando que ela não resolve as principais causas da violência. "O Brasil não pode esquecer-se que a violência é um fenômeno provocado por muitas causas, entre elas as desigualdades sociais, o racismo, a concentração de renda e a insuficiência das políticas públicas."