Título: Ministro, explique por que soltou os presos!
Autor: Frossard, Denise
Fonte: O Globo, 27/04/2007, Opinião, p. 7

A decisão do ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, de soltar os três desembargadores e o procurador Regional da República acusados de envolvimento com a criminalidade organizada capitaneada pelos bicheiros foi criticada por vários setores que vão desde os gabinetes dos juristas (professores, advogados, magistrados, promotores) até o boteco da esquina, onde, entre uma cerveja e outra, para quebrar o calor que insiste em permanecer mesmo no outono, as pessoas comentavam, descrentes, que sabiam que eles seriam soltos.

Não vou aqui questionar juridicamente o ato do ministro Peluso. Não conheço a justificativa do ministro Peluso neste específico caso. Mas sei que o ministro Peluso, juiz de carreira, sempre foi consistente nas suas decisões jurídicas.

O que eu questiono aqui é a falta de informação e transparência deste ato, ou seja, a falta de informação e transparência da decisão de soltar os três desembargadores federais e o procurador regional da República acusados de envolvimento com a criminalidade organizada. Em todas as rodas de conversas - em todos os cantos - os comentários das pessoas era um só: que a Justiça não fez justiça. E esta dúvida não pode existir nas cabeças das pessoas quanto ao Poder Judiciário, porque, se há um poder na República que precisa ser transparente e sobre o qual não pode pairar qualquer dúvida, este poder é o Judiciário, porque é ele, Judiciário, que resolve os conflitos entre as pessoas; é dele, Judiciário, sempre, a última palavra, que pode fazer do quadrado o redondo ou do redondo o quadrado.

A minha condição de juíza de carreira, hoje aposentada, mas em atividade na vida acadêmica, em permanente contato direto com a população, deixa-me muito segura para afirmar que os juízes devem, sim, ter o cuidado de não deixar dúvidas nas cabeças das pessoas; têm, sim, que fazer as pessoas entender por que eles, juízes, tomam as decisões que tomam. Quando foram presos os desembargadores e o procurador regional da República, já estava na cabeça da população que eles seriam soltos e que o tratamento deles seria diferenciado. Já estava - como ainda está - na cabeça da população que a Polícia prende e a Justiça solta.

Isso é ruim, porque leva para a sociedade a convicção da impunidade que conta com a ajuda da Justiça; leva para a sociedade a convicção de ser a Justiça responsável pela impunidade.

Se a decisão do ministro Peluso foi correta, dentro do figurino legal, isto - aqui e agora, na linha desta reflexão - não é relevante.

O que a sociedade pergunta é por que ele solta uns e mantém outros presos e por que a coincidência de somente serem soltos os desembargadores e pessoas ligadas à Justiça.

É preciso que os agentes públicos, principalmente aqueles que integram o Poder Judiciário, tenham consciência da importância das suas decisões sobre a formação da opinião pública. Isto vem se agravando, porque, hoje, claramente, está na cabeça da população inteira que a Justiça só ampara os ricos e poderosos.

Mas ainda temos tempo. Chamo o ministro Peluso à reflexão - com todo o respeito que merece este magistrado de carreira limpa - para que venha a público explicar a sua decisão. Se ele não fizer isto estará passando a impressão de não se incomodar com a opinião pública, e aí pagaremos todos um alto preço por essa percepção - a perda da fé nas instituições, que torna o cidadão cínico ou rebelde, um duro golpe, muitas vezes mortal, na democracia.

DENISE FROSSARD foi deputada federal e juíza criminal.