Título: Artistas vêem censura em portaria do governo
Autor: Antunes, Elizabete e Fernades, Lilian
Fonte: O Globo, 27/04/2007, O País, p. 11

Cineastas, produtores, atores e humoristas comemoram decisão do STJ, que suspendeu imposição de horários para TV.

A classe artística comemorou a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de suspender a obrigatoriedade de as emissoras exibirem programas nos horários determinados pelo governo. A pedido da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a decisão do ministro João Otávio de Noronha suspende os efeitos da portaria 264, do Ministério da Justiça, que entraria em vigor no próximo dia 13. Com o mandado de segurança do ministro do STJ, ela fica suspensa até o julgamento do mérito. O Ministério da Justiça informou que recorrerá da decisão.

Diretor de cinema e de TV, Roberto Farias aprovou a decisão do STJ:

- A Justiça começa a pôr as coisas nos seus lugares. A Constituição manda informar que um programa tem cenas não recomendadas para crianças, e não proibir sua exibição antes de um determinado horário. Senão, passa a ser censura, e sou contra qualquer tipo de censura.

Para Farias, o ideal é que se faça como no cinema, em que a classificação etária serve apenas como fonte de consulta para os pais decidirem o que deixarão que seus filhos vejam.

- Essa portaria que entraria em vigor não se baseia na Constituição, que apenas determina que se dê a informação, mas sim no Estatuto da Criança e do Adolescente. Este, sim, proíbe a exibição de cenas fortes em determinados horários, o que, para mim, é inconstitucional.

Diretor de núcleo da Rede Globo, Ricardo Waddington afirmou:

- A portaria caracteriza censura prévia e fere a liberdade de expressão. A decisão de quem pode e de quem não pode ver um programa é da família.

A atriz Christiane Torloni disse continuar preocupada:

- Estamos todos assustados. Antes, já houve a tentativa de se criar um órgão regulador do audiovisual e também de regular a imprensa, e, agora, essa portaria. A volta da aprovação de cenas me cheira a censura. É só fazer valer as leis que já existem. Isso sem falar que os próprios órgãos já têm uma regulamentação interna: por que o beijo gay não foi ao ar no último capítulo da novela "América", por exemplo? - diz Christiane, citando o episódio em que a Rede Globo optou por não levar a polêmica cena ao ar.

Jô Soares chegou a falar em hipocrisia:

- Isto (a portaria) me faz lembrar a história de um velho coronel do Nordeste que disse aos amigos: "Sou um liberal. Minha filha pode se casar com quem quiser, desde que seja com o Pedro" - brinca o humorista. - Sob uma aparência de respeitar a Constituição, esta portaria é uma forma de burlar uma de suas cláusulas pétreas, a liberdade de expressão. Não é possível que a responsabilidade sobre o que se deve ver ou fazer caiba somente ao Estado. Em primeira instância, isto é responsabilidade de pai e mãe. O resto é uma imensa hipocrisia.

O dramaturgo Domingos de Oliveira disse que o Estado deveria se preocupar com assuntos mais importantes, como educação e segurança.

Cláudio Manoel, humorista do "Casseta & planeta, urgente!", lembrou que cada indivíduo tem o seu direito de fazer suas escolhas:

- Não concordo em transferir para funcionários públicos, sem desmerecê-los, a minha cidadania, dar uma procuração a eles para que decidam o que se pode e o que não se pode ser mostrado na TV.