Título: Jogo de intrigas no tribunal
Autor: Rocha, Carla
Fonte: O Globo, 27/04/2007, Rio, p. 12

A MÁFIA OFICIAL

PF diz que desembargador planejou chantagear colega por causa de disputa eleitoral.

Orelatório da Operação Hurricane, da Polícia Federal, revela que o desembargador José Eduardo Carreira Alvim planejou chantagear seu colega Joaquim Antônio Castro Aguiar, caso ele decidisse concorrer à presidência do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região. A constatação foi feita com ajuda de grampos telefônicos, em fevereiro e março deste ano. Carreira Alvim teria descoberto a existência de um inquérito em que Castro Aguiar - hoje presidente do órgão, após uma acirrada disputa eleitoral no mês passado - teria respondido à denúncia de que seu filho conseguira uma vaga no curso de direito da UFRJ, sem fazer vestibular. A acusação estaria num inquérito (provavelmente administrativo da universidade), que teria sido arquivado.

Procurado ontem, o presidente do TRF respondeu, em nota, que o seu filho, Ricardo Aguiar, matriculou-se no curso de direito da UFRJ em 2001, por meio de um edital publicado pela reitoria da universidade. O edital abriu vagas para portadores de diploma oriundos de outras instituições de ensino e para graduados da própria universidade. Ricardo, diz a nota, que já era formado em engenharia pela UFRJ, passou na prova de reingresso num processo seletivo "perfeitamente regular e hígido".

"Aquilo foi irregular?", pergunta magistrado

Numa conversa, de 9 de fevereiro, Carreira Alvim conversa com uma mulher identificada como Juliana. De acordo com a PF, ela seria a diretora da Faculdade de Direito da UFRJ, Juliana Neuenschwander Magalhães. A pouco menos de um mês das eleições no tribunal, ele queria saber mais sobre a denúncia envolvendo o filho de Castro Aguiar e disse à sua interlocutora que pretendia confrontá-lo com as informações.

"Aquilo que ele fez... aquilo poderia ter sido feito ou realmente aquilo foi irregular?", pergunta Carreira Alvim a Juliana, a respeito do suposto inquérito aberto para apurar o fato. A mulher explica, na ligação, que há na UFRJ a possibilidade de transferência externa. Mas o desembargador rebate afirmando que não se tratou disso. Ele diz que o "menino" era engenheiro e entrou na faculdade sem vestibular. Juliana ainda pergunta se não poderia ser um edital de isenção de vestibular, o que já teria ocorrido anteriormente. Carreira Alvim insiste que não, que o vestibular já tinha passado, que foi aberto um novo processo seletivo e que "só se candidatou o filho de Castro". Irônico, o desembargador alega que está procurando se informar sobre o fato, porque Castro Aguiar é seu colega, mas gosta de "arrotar moralidade".

O desembargador diz que apenas gostaria de ter mais informações, porque já teria uma cópia do inquérito. O relatório da PF grifa o trecho da escuta em que Carreira Alvim afirma que pretendia chamar Castro Aguiar para uma conversa sobre o assunto. Juliana Neuenschwander não foi localizada ontem para comentar o caso.

Carreira sugeriu denúncia à imprensa

Os agentes destacam ainda, no relatório, a "conduta venal" de Carreira Alvim, que estaria especialmente irritado desde que descobrira aparelhos de escuta ambiental em seu gabinete. Ele atribuía a Castro Aguiar a instalação desses equipamentos, por causa da disputa pela presidência do órgão. No entanto, o aparato já fazia parte da investigação da Polícia Federal para a Operação Hurricane, que resultou na prisão de 25 pessoas acusadas de envolvimento com a máfia dos bingos. Carreira Alvim é um dos acusados de ter beneficiado empresários do ramo com liminares.

De acordo com o relatório da PF, a partir da descoberta da escuta ambiental, Carreira Alvim começou a tramar como prejudicar o seu colega. Após perder a eleição para a presidência do TRF, ele cogita inclusive, em telefonema a outro acusado, o desembargador Ricardo Regueira, em março deste ano, vazar o caso para a imprensa. No diálogo, Carreira Alvim afirma que eles precisam fazer isso, porque senão vão ficar sempre na dependência de Castro Aguiar.

No mesmo mês, o desembargador pede a um interlocutor identificado como Alex que o ajude a contatar um jornalista. Ele diz que precisa fazer alguma coisa, embora esteja de cabeça quente. Sugere que a denúncia seja capa de uma revista ou apareça em algum programa de TV. Carreira Alvim também afirmou que encaminharia um ofício ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O desembargador Carreira Alvim chegou a ficar nove dias preso numa cela da Polícia Federal em Brasília, mas acabou sendo beneficiado por uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cezar Peluso, que desmembrou o processo da Operação Hurricane e garantiu foro privilegiado para os magistrados. Os desembargadores Carreira Alvim e Ricardo Regueira e o procurador João Sérgio Leal conseguiram alvarás de soltura e, por enquanto, vão responder ao processo em liberdade. Os outros acusados, bicheiros, empresários, advogados e policiais, continuam presos.