Título: Bicheiros dizem que não são mais bicheiros
Autor: Goulart, Gustavo
Fonte: O Globo, 27/04/2007, Rio, p. 14

A MÁFIA OFICIAL: Justiça toma depoimento de três contraventores presos pela Polícia Federal na Operação Furacão.

Capitão Guimarães alega que é consultor financeiro; Anísio, aposentado e vendedor de jóias; e Turcão, dono de creche.

Em depoimento ontem, na 6ª Vara Federal Criminal no Rio, os três contraventores presos na Operação Furacão afirmaram que não são mais bicheiros. À juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, o presidente da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, disse, por exemplo, que é agente financeiro autônomo e que tem uma renda mensal de R$400 mil de comissões de clientes que fazem investimentos na Bolsa de Valores com a sua orientação. Ele alegou que, além de capitão do Exército reformado, "estudou um pouco de economia".

Jogo do bicho só de 1982 a 1993

Capitão Guimarães afirmou que teve envolvimento no jogo do bicho de 1982, "quando a atividade passou a ser tolerada pelo então governador Leonel Brizola", até 1993, ano em que foi condenado, juntamente com outros contraventores, pela Justiça, por formação de quadrilha. Apesar de negar qualquer ligação com casas de bingo ou caça-níqueis, admitiu que seu sobrinho Júlio Guimarães, também preso, é dono de um bingo. Ele disse nunca ter ouvido falar nos desembargadores José Carreira Alvim e Ricardo Regueira, também presos na ação da PF, até a data da operação.

A juíza Ana Paula Vieira vai ouvir 17 presos até o dia 7 de maio. Serão três depoimentos por dia. Ontem, 14 dos acusados passaram a tarde no ônibus que levou os presos da Base do Galeão à Justiça Federal. Todos os 17 acusados, que vieram ontem de avião de Brasília, ficarão presos agora no Batalhão Prisional da PM, em Benfica.

Já Aniz Abrahão David, o Anísio, de 69 anos, presidente de honra da Beija-Flor, disse à juíza que cursou até a 4ª série primária (atual 5ºano do ensino fundamental) e que o império em imóveis que construiu foi fruto de seu trabalho como proprietário de uma fábrica de fibra de vidro, de uma gráfica e da criação de cavalos. Hoje, aposentado, contou viver da negociação de jóias, algumas apreendidas na Operação Furacão, e de "vários aluguéis" ou venda de alguns imóveis, que rendem mensalmente cerca de R$100 mil. Seu advogado, Ubiratan Guedes, afirmou que seu cliente declarou ter ganhado muito dinheiro com o jogo do bicho e que os US$47 mil achados em sua casa foram obtidos com a venda de 40 ou 50 imóveis à Caixa Econômica Federal, o que rendeu US$66 mil (que seriam a comissão pela corretagem).

Anísio, que negou todas as acusações de envolvimento com a máfia de venda de liminares a bingos e a donos de caça-níqueis, declarou morar na Avenida Atlântica, em Copacabana, e ser dono do Mercedes-Benz preto MTT-0640. Ele disse conhecer "muito pouco" o policial civil Marcos Bretas, preso sob a acusação de intermediar o pagamento de bicheiros a policiais. Ele disse ser eleitor do atual senador Francisco Dornelles, salientando que nunca deu dinheiro para sua campanha. Anísio afirmou que deixou o jogo do bicho em 1993, quando também foi condenado.

Antônio Petrus Kalil, o Turcão, de 82 anos, negou à magistrada todas as acusações, entre elas a de que pagaria propina a policiais para o funcionamento de bingos. Ele disse que não explora o jogo do bicho há quatro meses e que abandonou a atividade por causa da idade e "da doença". Turcão afirmou ter uma creche, acrescentando, porém, que, na verdade, é um clube com hotel e academia de ginástica. O empreendimento é um gigantesco complexo hoteleiro e de lazer, administrado por seus filhos, no bairro de Camboinhas, na Região Oceânica de Niterói, base de sua atividade no jogo do bicho.

Os advogados de dois dos acusados, Ubiratan Guedes, que defende Anísio, e Nélio Machado, que trabalha para o Capitão Guimarães, disseram terem entrado com pedido de habeas corpus no Tribunal Regional Federal contra a decisão da juíza de mantê-los presos.

COLABOROU Jailton de Carvalho (Brasília)