Título: MMA x MME
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 27/04/2007, Economia, p. 22

Conflito entre produção de energia e meio ambiente existe há muito tempo, mas este é o maior dos embates. Ele vai esclarecer o caminho tomado pelo governo nesse dilema. Até agora a ministra do Meio Ambiente está tentando manter as aparências, e o ministro de Minas e Energia está usando o fantasma do carvão e da energia nuclear para forçar uma decisão a seu favor.

Quando o ministro Silas Rondeau diz que, se não for dada a licença em maio, ele terá que contratar uma termelétrica a carvão ou uma usina nuclear, deve estar se esquecendo de como é que se contrata a oferta de energia no Brasil, segundo o modelo de sua própria antecessora no Ministério de Minas e Energia (MME): a ministra Dilma Rousseff.

É assim: constatada a demanda futura pela Empresa de Pesquisa Energética, o governo faz um leilão de oferta. Os empresários inscrevem seus projetos, e ganha o menor preço.

As usinas do Madeira estão programadas para entrar em operação em 2012, mas as turbinas não entram todas de uma vez. Levam-se três anos até todas estarem em operação. O que precisará ser compensado, caso as hidrelétricas atrasem, serão 500 MW naquele ano.

A energia de 2012 será garantida pelo leilão de junho de 2007. Nele se inscreveram 205 projetos que, juntos, produziriam 25 mil MW. As duas hidrelétricas do Madeira terão capacidade de produzir 6,4 mil MW, mas, em energia firme, são menos de 5 mil MW. Os projetos inscritos têm as mais variadas fontes: hidrelétricas, PCHs, biomassa, gás natural (que até lá já poderá contar com o aumento da produção dos campos brasileiros), eólica e até carvão (veja gráfico abaixo). Como o leilão é pela menor tarifa, não se pode dizer de antemão que a compensação por um eventual atraso de Madeira será uma usina de carvão ou nuclear.

A briga já estava marcada para acontecer; seria em relação às hidrelétricas do Rio Madeira e seria agora. Era fácil prever. Primeiro, porque há grande ansiedade no governo e nas empresas por esse projeto de R$20 bilhões, sem o custo das linhas. Segundo, porque esta é a primeira grande decisão após o anúncio do PAC - apresentação feita como se as restrições ambientais não existissem. É também a primeira grande decisão após a escalada da consciência ambiental com os relatórios científicos sobre aquecimento global no IPCC.

O que existe a favor do projeto do Madeira é que ele usa turbinas a bulbo, que reduzem muito a área de alagamento em relação às outras hidrelétricas na Amazônia. Existe também uma idéia difusa de que o Ibama tem encrencado com tudo. Os empresários do setor de energia têm medo disso. Como investir em produção de energia no Brasil se o projeto pode dar com os burros no Ibama e se perder todo o investimento feito?

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) tenta lutar contra essa reputação mostrando números de aprovação de licença que acabam não convencendo muito. Melhor é lembrar os processos. O Ibama tem que analisar o Estudo de Impacto Ambiental para dar a licença prévia, um avanço do governo Lula. O EIA é feito ou contratado pelo interessado no projeto. Depois é analisado pelos técnicos do Ibama.

Há uma longa história de EIA-Rimas malfeitos. Há vários casos de fraudes. O da hidrelétrica de Barra Grande, por exemplo. Ao relatar a vegetação, o estudo definiu como um "capoeirão" o que era um trecho precioso de Mata Atlântica com araucária. Num país normal, os autores de um estudo tão mentiroso seriam responsabilizados criminalmente. No Brasil, valeu a lei do fato consumado. Quando se descobriu a mentira, a barragem estava pronta e a mata levou a pior: foi alagada.

O processo de licenciamento prévio das hidrelétricas do Madeira começou há um ano. Os técnicos do Ibama levantaram várias dúvidas. A reação do governo foi curiosa: o presidente ficou irritado, o ministro de Minas e Energia ignorou o parecer e defendeu os relatórios dos especialistas internacionais, a Odebrecht criticou os técnicos do Ibama por serem "jovens e inexperientes", o diretor de licenciamento não aceitou o parecer nem o recusou. A ministra do Meio Ambiente tenta encontrar uma solução que não desautorize os técnicos nem provoque a ira dos que dentro do governo são adeptos do lema: Madeira ou apagão. Não perca os próximos capítulos.