Título: Bagdá: militar americano é acusado de ajudar inimigo
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 27/04/2007, O Mundo, p. 28

Encarregado de prisão no Iraque teria emprestado celular a presos, entre outros delitos, e pode ser condenado à morte.

BAGDÁ. Militares americanos acusaram um alto comandante encarregado de seu principal centro de detenção no Iraque de nove violações das leis militares, incluindo ¿ajudar o inimigo¿ ¿ uma rara e séria acusação que pode levar à pena de morte. Em nota divulgada ontem, autoridades militares afirmaram que o tenente-coronel William H. Steele deu ajuda ao inimigo entre o dia º de outubro de 2005 e 31 de outubro de 2006, ao ¿fornecer um celular não-monitorado a presos¿ em Camp Cropper, prisão perto do Aeroporto Internacional de Bagdá onde o ex-ditador Saddam Hussein ficou preso antes de ser enforcado.

Segundo a nota, a acusação é uma das nove feitas contra o coronel Steele, que até ser preso, mês passado, supervisionava um dos vários complexos de Camp Cropper, como comandante do 451º Destacamento da Polícia Militar americana no Iraque. Ele também foi acusado de armazenar ilegalmente informação confidencial; desobedecer ordens relacionadas à sua posse de pornografia; descumprir seu dever em relação a fundos do governo e comportar-se de maneira inadequada por ter se aproximado da filha de um preso em 2005, além de manter uma ¿relação inapropriada¿ com uma intérprete entre 2005 e 2006.

Oficiais militares disseram que o coronel Steele está atualmente no Kuwait aguardando uma audiência militar, para determinar se seu caso será julgado por uma corte marcial. Eles enfatizaram que o militar americano deve ser considerado inocente, a princípio.

¿ Há prova ou informação suficiente para mostrar que esse caso precisa ir à corte marcial? ¿ perguntou a tenente-coronel Josslyn L. Aberle, porta-voz militar. ¿ É nesse ponto que estamos ¿ afirmou ela.

Walt Huffman, um ex-juiz do Exército que hoje é reitor da faculdade de Direito da Universidade de Texas Tech, disse que, para condenar Steele por ajudar o inimigo, promotores terão que mostrar que ele teve intenção de pôr em risco tropas ou missões americanas. Eles teriam que apresentar provas de que o tenente-coronel sabia que o telefone estava sendo usado não para conversas familiares, mas para telefonemas que poriam os americanos em risco.

¿ Essa é uma acusação difícil de provar ¿ disse Huffman. ¿ Ele seria condenado à morte por isso? Acho que nada é impossível, mas duvido ¿ opinou.

Conjunto de acusações agrava situação de militar, diz analista

Huffman ¿ que ressaltou não ter visto as acusações contra Steele e afirmou que portanto não poderia argumentar sobre a responsabilidade do militar ¿ explicou que a acusação de aproximação da filha de um preso não necessariamente diz respeito a algo sexual, mas sim sobre o risco de um militar de alta patente manter contato regular com parente de um preso. À primeira vista, diz ele, as acusações individuais podem parecer menores, mas quando combinadas se tornam mais graves, porque os delitos teriam ocorrido numa prisão em tempos de guerra. E num país muçulmano, onde falar com mulheres jovens fora de suas famílias é considerado algo inapropriado. A patente de Steele e seu papel de supervisor em Camp Cropper também aumentam a seriedade das acusações, diz ele:

¿ Ele era a pessoa encarregada de fazer vigorar as regras da prisão ¿ disse Huffman.

O caso anunciado ontem é o segundo relacionado a uma prisão americana envolvendo acusações de colaboração com o inimigo. Em setembro de 2003, o capitão James J. Yee, um capelão muçulmano na base de Guantánamo, em Cuba, foi acusado de motim, traição, ajuda ao inimigo, adultério e posse de pornografia. Os militares descartaram as acusações em março do ano seguinte, citando questões de segurança nacional que resultariam da divulgação das provas contra ele.