Título: Acho melhor que seja feita alguma coisa
Autor: Lamego, Cláudia
Fonte: O Globo, 28/04/2007, O País, p. 4

CRIMINALIDADE JUVENIL: "Falta de vagas nas prisões não pode ser argumento contrário à lei", afirma ex-secretário.

Especialistas se dividem sobre antecipação da maioridade penal, mas todos concordam que a situação é grave.

Especialistas em segurança pública têm opiniões diferentes sobre a antecipação da maioridade penal de 18 para 16 anos, proposta aprovada anteontem pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O sociólogo Cláudio Beato, do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais, é a favor do projeto, mas tem dúvidas sobre a sua correta aplicação. Para ele, em tese esse modelo pode ajudar a diminuir a violência no país.

- O modelo é interessante, porque pune o menor que cometeu o crime hediondo e passou por uma avaliação mostrando que ele pode ser responsabilizado pelo ato. Em tese, é uma idéia interessante. Na prática, tenho receio porque, nas condições atuais, corremos o risco de vermos a lei sendo aplicada incorretamente. Ou seja, de a aplicação da lei ser feita de forma automática, sem que o crime seja qualificado e que o menor seja avaliado. E pior, que o menor acabe ficando nas mesmas celas que os adultos. Mas acho melhor que seja feita alguma coisa porque a sociedade está muito ansiosa, sofrendo com a falta de respostas para a segurança pública no país - afirmou Beato, que defendeu ainda o início de uma discussão sobre as condições dos presídios no país:

- Acho que a aprovação dessa emenda pode suscitar uma outra discussão, a dos presídios. Sei que isso é meio utópico, mas temos que começar a discutir. Porque, se for aprovada a proposta, também corremos o risco de o menor sair da prisão ainda muito jovem, e ainda mais perigoso. Nossas leis possibilitam a redução das penas, e isso poderia ter um péssimo efeito para a segurança.

"Não conseguimos lidar com os jovens de 18 a 21 anos"

Ex-secretária nacional de Justiça, Elizabeth Sussekind é contra a proposta. Para ela, o Brasil tem falhado nas tentativas de recuperar jovens que já estão no mundo do crime.

- O que temos demonstrado é que não conseguimos sequer lidar com os jovens de 18 a 21 anos. Não há medidas positivas, que os incentivem a interromper a carreira do crime. Colocar mais gente nesse mesmo barco é uma medida sem sentido. Concordo que os menores que cometem crimes têm consciência de que estão descumprindo a lei. Se a proposta for aprovada, temos que efetivamente criar mecanismos para recuperar esses menores e tentar mudar o comportamento deles, seja com programas de alfabetização, ensinando ofícios, aproximando a família, impedindo a violência dentro do sistema prisional e investindo em experiências de solidariedade.

Para Elizabeth, o Instituto da Criança e do Adolescente nunca foi efetivamente implementado no país, o que impede, segundo ela, uma análise de sua eficácia:

- Não garantimos os direitos das crianças e dos adolescentes, que estão cada vez mais desprotegidos e são vítimas também da violência. Temos que criar medidas que desestimulem os jovens a entrar para o crime.

Já o coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança, aprova, sem ressalvas, a modificação na lei penal. Ele elogiou a proposta aprovada pela CCJ e se mostrou cético em relação à possibilidade de recuperação de menores que cometeram crimes hediondos:

- Sou a favor da punição da pessoa que comete crime, evidenciando uma anomalia de comportamento e de personalidade. O menor infrator precisa ter um tratamento diferenciado sim, tem que ser contido e segregado da sociedade.

O ex-secretário considera demagógico o argumento de que a falta de vagas atualmente nas prisões brasileiras inviabilizaria a aplicação da lei de antecipação da maioridade penal.

- As prisões já estão cheias. Sim. Então, precisamos cobrar do governo que faça investimentos, que construa mais presídios, crie mais vagas. Isso não é justificativa contra a aprovação da lei. Nosso sistema prisional é caótico. É preciso garantir que os menores fiquem em celas separadas, até porque a separação tem que ser feita também entre os adultos, pelo grau de periculosidade, pelo tipo de crime, entre outros. Por esse argumento, vai ter gente sugerindo que se faça leis proibindo as pessoas de ficarem doentes, já que não temos vagas para todos nos hospitais públicos.