Título: O silêncio do suspeito
Autor: Rocha, Carla e Goulart, Gustavo
Fonte: O Globo, 28/04/2007, Rio, p. 12

A MÁFIA OFICIAL

Sobrinho de contraventor, que seria o elo do bicho com os bingos, se recusa a depor.

Apontado pela Polícia Federal como elo do jogo do bicho com os bingos, e preso durante a Operação Hurricane, o discreto advogado Júlio Cesar Guimarães Sobreira, sobrinho do bicheiro Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, presidente da Liga das Escolas de Samba do Rio (Liesa), se recusou a depor ontem na Justiça. No papel, ele é dono do Serra Bingo, em Petrópolis, e secretário-geral da Associação de Bingos do Estado do Rio (Aberj). Segundo a PF, é responsável pelo lobby a favor da liberação do jogo no país. Júlio também seria o responsável pelo pagamento de propinas a policiais do Rio que prestam serviços à quadrilha, além de ser coordenador dos jurados que analisam as escolas de samba. Seu depoimento era um dos mais aguardados na Justiça, mas Júlio César Guimarães Sobreira permaneceu calado ontem na 6ª Vara Federal Criminal do Rio.

Orientado por seus advogados, ele se recusou a depor alegando não ter tido "acesso pessoal aos autos" e que ontem foi a primeira vez que teve contato com seu advogado. Nélio Machado, um de seus advogados, disse que o caso de seu cliente é mais delicado em virtude da descoberta de cerca de R$9 milhões atrás de uma parede de seu apartamento, na Tijuca.

- Mas não é crime ter dinheiro em paredes. Prefiro conversar com ele pessoalmente e, no momento oportuno, a defesa vai se pronunciar - disse Nélio Machado.

Quem decide é a "velharada"

Também prestaram depoimento ontem à juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal, o atual presidente da Aberj, Paulo Roberto Ferreira Lino, e o ex, José Renato Granado Ferreira. Eles também foram presos na Operação Hurricane da Polícia Federal.

Júlio é sócio-gerente do Serra Bingo desde 1999. Teria ainda controle sobre vários bingos do Rio e, segundo a investigação da PF, é sócio oculto de uma das principais casas de jogo da cidade, o Barra Bingo, cujo faturamento mensal seria de R$20 milhões. No apartamento dele, na Tijuca, foram apreendidos R$9 milhões dos R$10 milhões achados em poder dos suspeitos presos pelos agentes da PF. Júlio, de acordo com a investigação, usava o policial Marco Antônio Bretas para pagar propina a policiais.

Num dos trechos do "grampo", Júlio conversa com um interlocutor sobre a inclusão de novos nomes de policiais na lista de propinas. Antes de definir qualquer posição, o advogado diz que precisa consultar a "velharada", o que, segundo a PF, é uma alusão aos "tios", os três bicheiros presos na Operação Hurricane: Anísio, Capitão Guimarães e Turcão.

O Serra Bingo, em Petrópolis, foi fechado durante a operação da PF, mas já voltou a funcionar. Apesar de ser advogado, Júlio nunca atuou nos tribunais, mas agiria como tesoureiro da contravenção há muito tempo. Daí, se explica a grande quantia em dinheiro encontrada em seu imóvel. Braço-direito de Capitão Guimarães, o advogado trabalhava na Liesa, mas não nunca teve um cargo na diretoria. Também passava desapercebido na Apoteose, onde costumava acompanhar de perto a apuração do carnaval. Além do bingo, Júlio controlaria ainda o jogo do bicho e a exploração de máquinas caça-níqueis em Petrópolis.

O desembargador federal Abel Gomes, da 1ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região, negou ontem pedidos de liminar em habeas corpus apresentados em favor de oito dos réus que respondem a processo criminal por envolvimento na chamada máfia dos caça-níqueis. Em depoimento ontem, o presidente da Associação de Bingos do Rio, Paulo Roberto Ferreira Lino, disse que recebia "um pro-labore" mensal de R$10 mil do Bingo Alcântara; e que para abrir os outros dois bingos - o São João e o Haddock Lobo - fez dois empréstimos pessoais. Ele contou que, em 2004, a Federação de Kickboxing conseguiu uma liminar favorável ao bingo, expedida pelo desembargador José Carreira Alvim.

Já José Renato Granado, outro preso a depor ontem, disse ser dono da Betec Games, empresa importadora e locadora de equipamentos eletrônicos para bingos. Granado admitiu ter participado de um almoço, em janeiro, em que estava presente o desembargador José Carreira Alvim. Salientou que o encontro, no restaurante Fratelli, em Niterói, aconteceu "muito depois da liberação das máquinas" apreendidas naquela cidade.