Título: Temor ronda o Ipea
Autor: Franco, Ilimar
Fonte: O Globo, 29/04/2007, O País, p. 3

Técnicos do instituto de 40 anos temem partidarização sob o comando de Mangabeira.

Adecisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de levar o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para a futura Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo, criada para ser comandada pelo presidente de honra do PRB, partido aliado e ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, gerou um clima de expectativa entre funcionários e o corpo técnico da instituição. O instituto é um órgão técnico de mais de 40 anos, que produz estudos sociais e econômicos importantes, alguns deles com críticas às políticas públicas do governo. Embora evitem externar publicamente essa preocupação, os especialistas temem que o Ipea seja politizado, ou partidarizado.

Tanto há temor que o presidente do Ipea, Luiz Henrique Proença, reuniu o quadro técnico do órgão, na última quinta-feira, para falar sobre a criação da Secretaria de Ações de Longo Prazo e tranqüilizar a equipe. Contou que tem conversado com o professor e filósofo Roberto Mangabeira Unger, presidente de honra do PRB, que deverá assumir a Secretaria de Assuntos de Longo Prazo na próxima sexta-feira. Mangabeira já foi guru do ex-governador Leonel Brizola e do hoje deputado Ciro Gomes. Depois, foi para o PRB. Em 2005, durante as investigações sobre o escândalo do mensalão, escreveu artigo pedindo o impeachment do presidente Lula e dizendo que seu governo era o mais corrupto da História do Brasil. Agora, assumirá a nova secretaria com status de ministro.

Mangabeira diz que vai fortalecer órgão

Segundo relato de Proença aos técnicos, Mangabeira - que será o 36º ministro de Lula - disse que sua nomeação deve ser recebida com tranqüilidade e que ela representará um fortalecimento do instituto.

Logo após o anúncio da escolha, Ancelmo Gois, em sua coluna no GLOBO, noticiou que "dois emissários do PRB, o partido dos bispos da Universal, do vice José Alencar e do novo ministro Mangabeira Unger, estiveram no Ipea-Rio para saber quantos cargos comissionados e verba para gastar o instituto tem". José Alencar foi ao presidente Lula e negou.

Lula decidiu criar a secretaria para substituir o Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) e agregar o Ipea, órgão hoje subordinado ao Ministério do Planejamento. A medida anunciada pelo presidente provocou críticas e cobranças da oposição, que vê na mudança risco de o Ipea perder sua autonomia. É o mesmo temor dos técnicos, que aguardam mais informações sobre a nova estrutura e os projetos de Mangabeira, que ainda está nos Estados Unidos - ele dá aulas em Harvard.

As incertezas sobre o futuro do Ipea, a partir dessa mudança, são ainda mais freqüentes no quadro da instituição no Rio, que tem uma equipe mais voltada para a produção acadêmica, com análises e projetos que nem sempre agradam a todos os setores do governo. Em Brasília, o trabalho é mais voltado para a formulação de apoio às políticas públicas governamentais.

Setores do PT criticaram estudo

Fundador do Ipea, o ex-ministro do Planejamento e economista João Paulo dos Reis Velloso considera prematuro fazer qualquer juízo sobre a mudança proposta pelo presidente Lula.

- O Ipea, desde sua criação, em maio de 1966, nunca teve sua independência ameaçada. Não vejo risco agora, e devemos aguardar para avaliar. O importante para o Ipea é continuar pensando o Brasil a médio e longo prazos e fazê-lo com independência - diz Reis Velloso.

O temor de interferência na produção do Ipea decorre de críticas de setores do PT a alguns de seus trabalhos, como um livro publicado recentemente, que traça o cenário provável do futuro da Previdência no Brasil e propõe reformas graduais no sistema. São reformas que o governo não decidiu fazer e que o PT não considera essenciais no momento.

Porém, contrariedades do governo com estudos do Ipea não são inéditas, diz seu fundador. No governo Geisel, quando foi anunciado o II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), Reis Velloso era ministro do Planejamento. O plano foi duramente criticado por dois economistas do instituto à época: Pedro Malan e Régis Bonelli.

- Recebi a crítica e não reagi. Se tivesse reagido, diriam que estava tentando interferir. Somente três anos depois contestei as críticas do Malan e do Bonelli, por causa de um artigo escrito por terceiros sobre o assunto - relata João Paulo dos Reis Velloso.

Mas o atual presidente do Ipea reconhece que há expectativa no órgão, sobretudo porque ainda não se conhece em detalhes como será e quais serão as atribuições da nova secretaria nem como o Ipea se enquadrará nessa nova estrutura. Luiz Henrique Proença lembra que, no governo Fernando Collor - que fez uma ampla reestruturação administrativa-, o Ipea foi transferido para o Ministério da Economia.

Não é a primeira vez que o Ipea é trocado de um ministério para o outro. No governo Fernando Henrique, foi transferido para uma Secretaria Especial de Planejamento, criada para Eduardo Amadeo e que durou seis meses - entre sua saída do Ministério do Trabalho e sua nomeação para a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. No governo Collor o instituto também passou de uma pasta para outra.

- Não sei avaliar os efeitos dessa mudança no governo Collor. No governo Fernando Henrique, eu não estava aqui. Mas não foi nada traumatizante. Apesar dessas mudanças, a autonomia de pensamento e a liberdade de pesquisa do Ipea foram sempre respeitadas - diz Proença: - Fui diretor por quatro anos e sou presidente há um ano e, neste período, não há história de limitação ou restrição à produção do Ipea.

Reservadamente, técnicos comentam que a experiência no governo Fernando Henrique foi tão curta que não dá para avaliar. Mas, sobre a realizada em 1990, no governo Collor, alguns técnicos do instituto dizem que não há boas lembranças.