Título: Contas não fecham nas declarações eleitorais
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 29/04/2007, O País, p. 4

Levantamento mostra divergências entre prestação de campanha e patrimônio declarado de parlamentares.

Acomparação entre a declaração de bens que os deputados entregaram à Justiça Eleitoral no ato do registro de suas candidaturas e a prestação de contas das campanhas - nas quais devem informar quem doou dinheiro e a quantia - apresentam, em alguns casos, divergências que poderão levar o Ministério Público a uma investigação detalhada do patrimônio desses parlamentares e de suas declarações. Levantamento realizado pelo GLOBO com base nas declarações disponíveis no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) demonstra que há casos de parlamentares que informaram que não possuíam empresas ou dinheiro em conta ou aplicação, mas, mesmo assim, doaram para si mesmos quantias que chegam a corresponder a quase 80% do patrimônio declarado.

Outro caso chama a atenção pelo inusitado da situação: a empresa de um deputado federal doou R$238 mil para outros candidatos, de partidos e estados variados, sendo R$188 mil para concorrentes à Câmara, teoricamente seus adversários.

Prazo para ação na Justiça Eleitoral acabou em dezembro

O subprocurador-geral Eleitoral, Francisco Xavier Pinheiro Filho, afirma que as declarações entregues à Justiça Eleitoral devem corresponder à realidade. Caso, em um exame detalhado das prestações, sejam verificados dados suspeitos, poderá ser pedida investigação.

- Qualquer falsidade é crime. Se configurada a irregularidade, isso se constitui infração eleitoral - disse o procurador.

O prazo para a Procuradoria Eleitoral entrar com ação para apurar eventuais fraudes expirou. Pela lei, a competência eleitoral se encerra 15 dias após a diplomação, o que ocorre em dezembro do ano da eleição.

No entanto, se for o caso, cabe ação civil, diz o procurador. O Código Penal qualifica como falsidade ideológica "omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita".

Um dos deputados que doou para si mesmo quantia que, por sua declaração de bens, não dispunha, é o líder do PR, Luciano Castro (RR). Na declaração, informou que possuía patrimônio de R$345 mil - entre imóveis e veículos. Não há anotações sobre valores em conta corrente ou poupança.

Na prestação de contas, Castro informa que deu a si mesmo R$265.050, ou quase 80% de seu patrimônio. Procurado pelo GLOBO, justificou a doação afirmando que fez empréstimo de R$90 mil e se desfez de imóveis e carros, somando outros R$170 mil. Entre empréstimos e venda de bens, o deputado comprometeu vinte salários de seu subsídio - atualmente, cada parlamentar recebe mensalmente cerca de R$12,8 mil brutos.

Waldemir Moka (PMDB-MS), que foi cotado para o Ministério da Agricultura no segundo mandato do governo Lula, informou que seus bens totalizavam R$209.753. Não declarou saldo em conta corrente ou em aplicações. Na prestação de contas, disse que doou a si mesmo R$150.006. Moka afirmou que tinha aplicações, fruto de economia de quatro anos. Mas isso não consta no documento que entregou ao Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul.

O petista José Nobre Guimarães (CE), ex-chefe de José Adalberto Vieira, detido em 2005 no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com US$100 mil escondidos na cueca, declarou bens no valor de R$218.373, entre eles poupança com R$4.885. Ele deu para sua campanha R$54.150. Afirmou que fez dois empréstimos.

As autodoações não são a única situação estranha que se destaca na prestação de contas. O segundo-secretário da Mesa Diretora da Câmara, Ciro Nogueira (PP-PI), mostrou-se generoso com os amigos. O site do TSE não disponibiliza sua declaração, mas, na prestação de contas, observa-se que ele é dono de empresas que têm como razão social seu próprio nome.

Uma dessas empresas, a Ciro Nogueira Motocicletas, sediada em Caxias, no Maranhão, doou R$259 mil a candidatos ao Legislativo nas últimas eleições. Desse valor, apenas R$21.880 foram para si mesmo. Dos R$238 mil restantes, R$50 mil foram para um candidato a deputado estadual no Piauí.

Para candidatos à Câmara, Nogueira doou R$188 mil, segundo sua declaração. A maioria é de seu partido, o PP. Mas há amigos do PMDB e do PSDB. Todos os agraciados são de outros estados. Entre eles está Simão Sessim (PP-RJ). Ele recebeu R$20 mil do amigo piauiense.

Ciro classificou como "contribuições simbólicas" os recursos que disponibilizou para os amigos.