Título: O Brasil em preto e branco
Autor: Azevedo, Ana Lucia
Fonte: O Globo, 29/04/2007, Cioência e Vida, p. 44

Obra reúne cientistas e intelectuais contra divisão racial no país.

No passado a ciência foi usada para criar a idéia de raça. Agora, deve ser um instrumento para acabar com ela, argumentam cientistas e intelectuais. A raça, frisam, fomenta o racismo. E, ao oficializá-la através de políticas públicas, o Brasil corre o risco de se ver partido. A ameaça de polarização racial da sociedade brasileira é o tema central de ¿Divisões perigosas ¿ Políticas raciais no Brasil contemporâneo¿ (Ed. Civilização Brasileira), organizado por Peter Fry, Yvonne Maggie, Marcos Chor Maio, Simone Monteiro e Ricardo Ventura Santos. A obra, que será lançada em 4 de maio, reúne textos de 38 autores entre antropólogos, sanitaristas, historiadores, sociólogos, psicólogos, educadores, economistas, cientistas políticos, jornalistas, representantes de movimentos sociais (ativistas do movimento negro em particular), críticos literários e poetas.

¿ O livro foi uma iniciativa de pesquisadores e pensadores com as mais variadas posições políticas e ideológicas e a preocupação de comum de alertar a sociedade para os riscos de políticas públicas baseadas na raça. Combater o racismo baseando-se na idéia de raça é uma contradição ¿ afirma Yvonne Maggie, professora titular do Departamento de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O antropólogo Ricardo Ventura Santos diz que o objetivo é ampliar a discussão sobre a racialização de políticas públicas, em particular nas áreas de saúde e educação.

¿ Todos os 38 autores estão plenamente de acordo de que há preconceito e discriminação racial no Brasil. O ponto de disputa é a forma de superação das desigualdades. Em vez de beneficiar uns poucos por critérios de cor ou raça, defendemos a universalização ¿ salienta Ventura, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz e professor adjunto do Departamento de Antropologia do Museu Nacional.

Segundo ele, projetos políticos oficiais pretensamente igualitários que buscam a polarização da sociedade entre brancos e negros e fortalecem o conceito de raças distintas podem suscitar a cisão racial. Marcos Chor Maio, sociólogo e pesquisador titular da Casa de Oswaldo Cruz, diz que o livro traz propostas que destoam do reducionismo racialista. Ele frisa a preocupação com iniciativas de promover a igualdade racial que incluem, por exemplo, comissões para determinar quem é negro no Brasil.

¿ Esse livro não é uma mera discussão sobre cotas raciais. Vai muito mais além. Estamos preocupados com o risco de divisão da sociedade. Promover uma separação em raças e etnias é uma estratégia que não vemos como a melhor forma de combater o preconceito e corrigir as injustiças no Brasil ¿ diz Yvonne Maggie.

Ela cita como exemplo a organização da III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, de 22 a 25 de maio, em Fortaleza. Segundo Maggie, critérios raciais são usados para selecionar os delegados:

¿ É chocante ver divisões assim. O racismo está sendo institucionalizado.

Simone Monteiro, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz, vê velhos fantasmas serem ressuscitados:

¿ Não podemos esquecer que o conceito de raça humana foi criado pelo racismo científico e ganhou enorme projeção com as políticas eugênicas. Apesar da biologia e da genética mostrarem que não há raças humanas, o conceito ainda é utilizado para separar e discriminar grupos sociais em função da cor. Propomos que em vez de recuperar e reforçar o conceito de raça se combata o preconceito e a discriminação racial pela afirmação dos direitos universais a educação, trabalho e saúde.

Ela lembra que a reiteração do determinismo biológico é um dos principais riscos das associações apressadas entre raça e saúde, por exemplo. E acrescenta que estudos já indicaram os perigos de legitimar o conceito biológico de raça e, desse modo, reforçar o preconceito racial e prejudicar ações de prevenção e assistência na área de saúde.