Título: Um jogo de cartas marcadas
Autor: Bottari, Elenilce
Fonte: O Globo, 30/04/2007, Rio, p. 8

Irmão de ministro do STJ teria negociado decisões em processos a cargo do magistrado.

Nas investigações sobre a máfia dos bingos que deram origem à Operação Hurricane, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal levantaram pelo menos mais dois casos em que o advogado Virgílio Medina teria negociado decisões favoráveis para terceiros, em dois processos que estariam sob o crivo de seu irmão, o ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Num deles, Virgílio, de acordo com a PF, teria usado como fachada o escritório de advocacia Gueiros, Pitta Lima e Ferreira de Brasília, do qual seria sócio oculto.

Segundo o relatório da PF, um dos clientes do escritório beneficiado pelo esquema teria sido um grande banco privado. O GLOBO apurou que o processo diz respeito a uma disputa em torno de um contrato de aluguel de um prédio no Centro do Rio, onde por anos funcionou uma das agências da instituição financeira. Na ação, o banco briga com a dona do imóvel, a empresária Myrthes Fortes Ribeiro Couto, que alega ter direito a uma indenização de R$90 milhões.

Os advogados Alexandre Baptista Pitta Lima e Marcelo Jaime, sócios do escritório Gueiros, Pitta Lima e Ferreira, não foram encontrados ontem para comentar as acusações. Em outro processo citado no relatório da PF, Virgílio teria tentado obter uma redução de pena para o ex-superintendente da Polícia Federal do Rio, Edson Oliveira.

Ministro mudou voto em briga por imóvel

O caso do banco é apontado pela PF como mais um indício de que Virgílio funcionaria como lobista em processos julgados pelo irmão no STJ. Em 2006, como relator da reclamação 2079, de Myrthes, o ministro Paulo Medina deu parecer favorável à proprietária. Mas, pouco tempo depois, mudou seu voto, transformando Mhyrtes de credora em devedora:

- Eu estava feliz porque finalmente o processo seria resolvido. Mas o ministro adoeceu e, quando retornou, mudou seu voto. Com isso, quem adoeceu fui eu - protestou Myrthes, que mora na Paraíba.

Nenhum representante do banco foi localizado ontem para falar sobre a briga judicial. Já Myrthes disse que, ao saber do envolvimento do ministro Paulo Medina com as investigações da Operação Hurricane, decidiu encaminhar uma denúncia sobre seu caso ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza.

Segundo o relatório da PF, que serviu de base para a operação, Virgílio é sócio oculto do escritório. "Virgílio Medina atuou como representante informal dos interesses do escritório sediado em Brasília, uma vez que sua presença oficial geraria o impedimento da atuação de seu irmão como magistrado no caso", ressalta o documento. As buscas feitas no escritório de Virgílio no Rio, onde foram encontrados documentos relativos ao processo do banco, aumentaram a convicção dos agentes federais sobre a atuação do advogado em parceria com o ministro do STJ.

Entre os documentos da investigação, está um envelope contendo dados da reclamação 2079 encaminhados a Virgílio no dia 4 de maio de 2006. Na seqüência, há um cartão de apresentação do ministro Paulo Medina anexado a um manuscrito com a seguinte anotação: "Aos amigos MARCELO e VÍTOR 1- Encaminhar pedido de inscrição p/ ministro PAULO MEDINA no endereço do cartão anexo".

As interceptações telefônicas também revelaram uma negociação entre Virgílio e Edson de Oliveira, para mudar, no STJ, a situação do delegado, condenado à prisão num processo não especificado pelo relatório da PF. O contato entre os dois teria sido promovido por outros três presos durante a Hurricane: o advogado Sérgio Luzio, o lobista Jaime Garcia Dias e o juiz trabalhista Ernesto da Luz Dória.

Num dos telefonemas gravados em setembro passado, Edson explica a Sérgio Luzio que o Ministério Público pediu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região que desse cumprimento à sentença, expedindo mandado de prisão contra ele. Segundo o delegado, o desembargador José Eduardo Carreira Alvim desconsiderou o pedido e mandou o recurso para Brasília. Mas, depois, teria pedido o processo de volta, para expedir a carta de sentença. De acordo com Edson, o desembargador - que também foi preso pela PF, mas já conseguiu alvará de soltura - estava mudando de idéia por pressão do MP. Sem conseguir retardar o processo no TRF da 2ª Região, o delegado teria procurado a ajuda de Jaime Garcia para intermediar um encontro com Virgílio Medina.

Ainda segundo o relatório, Edson se reuniu com Virgílio no dia 13 de dezembro, para tratar do processo que estava no STJ com Paulo Medina. De acordo com a escuta ambiental, Virgílio pergunta se o objetivo é "tentar liberar 16 ou retardar? (o processo)". O advogado do delegado, identificado na gravação como André, explica que o ideal seria reduzir a pena em pelo menos seis meses, para seu cliente conseguir a prescrição do crime.

Um dos 25 presos durante operação realizada pela PF, Virgílio é acusado, no inquérito sobre a máfia dos bingos, de ter recebido R$1 milhão por uma liminar favorável à empresa Betec Games - cujo processo também foi julgado pelo irmão no STJ - que liberava máquinas caça-níqueis apreendidas no Rio.