Título: Bolívia na expectativa de mais nacionalização
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 30/04/2007, Economia, p. 15

Aliados de Morales e especialistas acreditam em novas medidas em 1º de maio, como na área de transportes.

LA PAZ. É grande a expectativa em torno do 1º de Maio na Bolívia. Estão sendo esperadas novas nacionalizações, de empresas transportadoras, por exemplo, e não está descartado um anúncio ainda mais bombástico, como o seqüestro do fluxo de caixa das refinarias da Petrobras. São muitas as especulações, parte delas alimentada pelo próprio Movimento ao Socialismo (MAS) - base de apoio político do presidente Evo Morales. A agenda do presidente ainda não é pública, mas tudo indica que ele participará de ato em La Paz, depois de ter passado o fim de semana em Barquisimeto, na Venezuela.

Morales e os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Daniel Ortega, da Nicarágua, estiveram na cidade venezuelana participando do "V Encontro dos Povos da América" (Alba, na sigla em espanhol) e do Tratado de Comércio entre os Povos (TCP).

- Aguardamos grandes surpresas, e todas elas boas para o povo boliviano - disse o vice-presidente do MAS, Geraldo Garcia Mendonza.

Impasse sobre indenização à Petrobras persiste

Amanhã, quando o decreto de nacionalização dos recursos de petróleo e gás na Bolívia completa um ano, as refinarias da Petrobras poderão ser novamente invadidas, como ocorreu em 2006. Os dois países ainda não chegaram a um consenso sobre o valor que deve ser pago à Petrobras para passar o controle das refinarias para a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). Morales já avisou que não pretende pagar mais do que US$70 milhões - o valor contábil -, enquanto o Brasil reivindica um valor de mercado, que varia de US$200 milhões a US$300 milhões.

- Essa nacionalização de Morales é uma mentira. Como ele pode nacionalizar se não tem dinheiro para pagar? - critica um dos membros da organização Autonomia para Bolívia (APB), Fernando Morales, acusando o governo de promover uma expropriação e dizendo que o presidente estaria criando uma instabilidade jurídica.

Analistas políticos e economistas acreditam que Morales vai aproveitar, sim, o 1º de maio deste ano para anunciar novas medidas. É que o presidente boliviano estaria no meio de um fogo cruzado. Apesar de a economia do país estar indo bem e Morales continuar mantendo um alto índice de popularidade, a oposição a seu governo ganha forma. De um lado, grupos de apoio tradicionais, como professores e mineiros, estão cobrando mais ação e menos discurso. Enquanto isso, organizações de empresários e partidos políticos de oposição, como a ABP, começam se articular para desequilibrar seu governo.

Assim, a expectativa é grande em relação à data e ao local do 1º de Maio deste ano. La Paz é considerada uma cidade importante para Morales, onde está parte significa de seu apoio político.

- O presidente sabe administrar muito bem sua imagem pública. Só que, como ele assumiu um discurso nacionalista, criou-se uma alta expectativa em nível social, que, no entanto, não está sendo atendida - avalia o economista Gonzalo Chávez, da Universidade Católica da Bolívia.

Os novos contratos previstos no decreto de nacionalização, por exemplo, anunciado em 1º de maio de 2006, deveriam ter gerado um fluxo de caixa adicional para o governo de cerca de US$700 milhões. Mas isso não aconteceu porque a estatização de Morales emperrou diante da burocracia. Cerca de 44 novos contratos só conseguiram ser aprovados pelo Congresso no último dia 23 de abril. Falta agora registrá-los em cartório.

Nacionalização é carro-chefe do governo de Morales

Enquanto isso não acontece, o governo de Morales contabiliza o aumento da arrecadação com impostos sobre a produção de petróleo e gás, que alcançou 14,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2006. No ano anterior, essa contribuição não ultrapassava 9,2% do PIB boliviano.

A luta pela nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia é antiga. Ela mobiliza o país desde 2003, quando a chamada "guerra do gás" derrubou o então presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. A tentativa frustrada do ex-presidente de exportar o gás boliviano via Chile, inimigo histórico da Bolívia, foi capitalizada por Morales, que transformou o assunto no mote da sua campanha eleitoral.

- Apesar do discurso inflamado de Morales, a política macroeconômica de seu governo não chegou a representar uma ruptura significativa com o neoliberalismo - analisa Chávez, acrescentando que a conjuntura internacional vem ajudando o líder cocaleiro.