Título: Questão de credibilidade
Autor: Thomas, Vinod
Fonte: O Globo, 01/05/2007, Opinião, p. 7

A recente revisão dos dados referentes às contas nacionais do Brasil demonstrou que a taxa de crescimento do PIB em 2006 foi de 3,7%, em vez do índice anterior de 2,9%. Assim, pela primeira vez em 55 anos, a taxa de crescimento econômico ficou acima da taxa de inflação, que foi de 3,14% em 2006.

A revisão elevou o Brasil à 8ª posição entre as maiores economias do mundo e melhorou os indicadores macroeconômicos (por exemplo, a relação dívida-PIB), acompanhados de perto pelos investidores. Deve-se louvar a transparência do processo que levou à reavaliação do PIB. No Brasil, na China, na Índia e em outros países, compensa fazer estimativas precisas e revisões ágeis, quando for necessário.

No final de 2005, a China reviu para cima o crescimento anual do PIB, entre 1993 e 2004, com base na sua primeira Pesquisa Econômica Nacional. Esse novo cálculo significou um aumento de 17% no PIB em 2004. O motivo da revisão foi que as contas nacionais não abrangiam de modo adequado o setor de serviços, em rápida expansão. Como os visitantes ainda podem observar, há um rápido crescimento no número de pequenas companhias privadas informais, como restaurantes e empresas de transportes, que as estimativas anteriores não captavam de forma adequada.

Por outro lado, também se debate se o crescimento do PIB chinês está superdimensionado. A China soma a produção nominal individual conforme informações de cada empresa e as converte em termos reais, utilizando deflatores de preços estimados pelas próprias firmas. No Brasil e na Índia, o PIB nominal é corrigido empregando-se índices estimados independentes. Uma pesquisa recente avaliou que, entre 1978 e 1998, a taxa de crescimento anual da China teria sido de 7,4% (caso fossem utilizados indicadores de preços alternativos), ao invés dos 9,1% oficiais.

Na Índia, as estimativas de pobreza estão no centro da controvérsia. De acordo com os dados oficiais, a taxa de pobreza da população recuou de 36% em 1993 para 26% em 2000. Muitas pesquisas questionaram os métodos que resultaram em previsões consideradas muito otimistas para 2000, em particular quanto à pobreza rural.

Nos estados indianos onde os índices podem ter sido especialmente superestimados em 2000, o progresso desde então poderá parecer menor do que o real. Além disso, caso esses indicadores tenham sido excessivamente otimistas, o partido governante pode ter tido uma falsa impressão dos resultados de suas políticas. De qualquer forma, os eleitores acabaram por rejeitar o partido em 2004, aparentemente pela pouca redução na pobreza rural, apesar do forte crescimento nacional.

É difícil comparar os índices de pobreza em diversos países. Os cálculos que adotam a linha de pobreza internacional de um dólar de renda per capita por dia situam a incidência de pobres no Brasil em 8%, bem abaixo das estimativas internacionais de acima de 15% na China e de 25% na Índia. Contudo, os indicadores nacionais de pobreza no Brasil vão de 11% (com base na linha de extrema pobreza de um quarto do salário mínimo, que pode ser comparado a um dólar por dia), até 29%, considerando-se a metade do salário mínimo. Em contraste, as previsões nacionais estão abaixo das internacionais na China, com uma diferença acima de 10 pontos percentuais, e de mais de cinco pontos percentuais na Índia.

Quanto à distribuição de renda, no Brasil as pessoas situadas entre os 20% da faixa inferior recebem 3% da renda total enquanto 20% na faixa mais elevada detém mais de 60%. Na China, esses percentuais correspondem a 5% e 50%, respectivamente, e, na Índia, são de 9% e 43%. No entanto, o Brasil parece apresentar agora a melhor distribuição de educação básica entre os três países. Em parte por isso, os estados que mais crescem no país são os mais pobres das regiões Norte e Nordeste. Por outro lado, na China e na Índia, as províncias e os estados litorâneos mais ricos crescem com maior rapidez do que os mais empobrecidos, embora os três países tenham programas para acelerar o crescimento em regiões pobres.

Por fim, os cálculos convencionais não levam em conta os custos associados aos desafios sociais e ambientais, que podem ser muito elevados e ter um grande impacto nas perspectivas de crescimento. No Brasil, na China e na Índia, as perdas ambientais não-contabilizadas poderiam superar 5% do PIB. Se esses custos forem considerados, as taxas de crescimento do PIB poderiam ser muito menores nos três países.

A credibilidade dos dados é a base dos sistemas de contas nacionais. Previsões incorretas afetam a percepção da realidade. Na medida em que essas avaliações imprecisas dos resultados apóiem ou desestimulem reformas socioeconômicas, também há um custo para a sociedade. É sempre aconselhável que as primeiras estimativas sejam acuradas, porém, se houver imprecisões, o melhor a fazer é corrigi-las de forma rápida e transparente, como o Brasil, a China e a Índia realizaram em diversas ocasiões.

VINOD THOMAS é diretor-geral do Grupo de Avaliação Independente do Banco Mundial.