Título: 1º de Maio nacionalista
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 01/05/2007, Economia, p. 15

Morales anuncia hoje novas medidas em setores como combustíveis e mineração.

Opresidente da Bolívia, Evo Morales, fará uma reunião de emergência hoje, às 6h, com seu gabinete de ministros, para concluir o pacote de medidas de nacionalização que será anunciado mais tarde, nas comemorações do 1º de Maio na Praça Murillo, em La Paz. Estão previstas medidas que dizem respeito ao Brasil. O porta-voz da Presidência, Alex Contreras, confirmou o encontro, mas não detalhou a agenda. Disse apenas que, à tarde, Morales participará de uma partida de futebol em solidariedade ao jogador Carmelo Sanchez, que está com câncer.

Uma das medidas esperadas é a nacionalização do setor de transporte de combustíveis, que inclui a Transredes, controlada pela Shell e pela britânica Ashmore. Também seria concluída a nacionalização das áreas de exploração e produção de petróleo e gás, com a tomada do controle das empresas Andina (da British Petroleum) e Chaco (da hispano-argentina Repsol YPF). Está prevista ainda a reincorporação de algumas concessões de minas à Comibol. O partido de Morales, o Movimento ao Socialismo (MAS), afirmou ontem que o governo prosseguirá com a nacionalização dos recursos naturais do país.

Morales também deverá anunciar a criação de um órgão semelhante ao BNDES: o Banco de Desenvolvimento Produtivo (Bandepro), para financiar pequenas e médias empresas. Além disso, ele fará um balanço das medidas adotadas até agora para gerar emprego nos setores de hidrocarbonetos e mineração.

Se Morales anunciar alguma medida contrária aos interesses brasileiros hoje, será uma enorme surpresa para o Brasil, uma vez que o fim de semana foi de intensas negociações. Executivos da estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) e da Petrobras estiveram reunidos em La Paz, e, segundo fontes próximas ao encontro, nenhum decreto de confisco dos bens da Petrobras em solo boliviano deverá ser anunciado. Setores da diplomacia brasileira também exerceram forte pressão, e tudo indica que o cerco funcionou.

- Aparentemente, o governo Morales respondeu bem às pressões brasileiras e acenou com uma forte possibilidade de flexibilizar a posição anterior, quando defendia pagar um preço irrisório pelas refinarias da Petrobras - garantiu um dos executivos que participaram da reunião.

Petrobras diz que negociação continua

A Petrobras não se negava a vender suas refinarias para a YPFB, mas recusava o valor oferecido. Assim, as negociações vão continuar sobre o valor que deverá ser pago à Petrobras para passar 50% mais uma ação das refinarias para a estatal boliviana. A Bolívia não quer pagar mais do que US$70 milhões, valor contábil das unidades, e o Brasil pleiteia o valor de mercado, cerca de US$200 milhões.

Em Nova York, o diretor de Operações Internacionais da Petrobras, Nestor Cerveró, disse que está havendo progressos na negociação. Ele negou ter receio de qualquer ação unilateral de Morales hoje.

- Nós também estávamos preocupados com isso, mas felizmente temos avançado nas negociações - disse Cerveró, acrescentando que há a possibilidade de a Petrobras permanecer como operadora das refinarias por algum tempo.

O governo boliviano colocou três contratos assinados com a Petrobras em observação devido a irregularidades. Segundo o órgão encarregado de protocolar os documentos, os contratos para exploração de gás nos blocos de San Alberto, San Antonio e Rio Hondo contêm dois Anexos D, e a YPFB terá de indicar qual é o correto.

A bandeira branca aparentemente hasteada pela Bolívia ocorre num momento delicado. Enquanto setores da diplomacia brasileira faziam gestões junto ao governo, Morales anunciava em Barquisimeto, na Venezuela, durante a Cúpula Alternativa Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba), também no fim de semana, sua saída do Centro Internacional para Arbitragem de Disputa sobre Investimento (Ciadi). É a esse órgão, do Banco Mundial (Bird), que a Petrobras poderia recorrer em caso de impasse nas negociações com a YPFB, como já havia ameaçado.

- O problema é que o processo de nacionalização na Bolívia foi motivado muito mais por interesses políticos do que econômicos - afirma Carlos Miranda Pacheco, analista da área de petróleo e gás e ex-superintendente de Hidrocarbonetos no governo Gonzalo Sánchez de Losada (2003).

Um ano após a nacionalização, até o presidente da YPFB, Guillermo Aruquipa, reconhece que a medida resultou em poucos avanços. Ele admitiu que "a estatal não tem logística nem infra-estrutura de transporte".

(*) Com agências internacionais