Título: 'Rio está numa encruzilhada', diz documento
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 02/05/2007, O País, p. 3

Para Anistia, Cabral precisa começar logo reforma profunda no sistema de segurança pública

SÃO PAULO. O vácuo deixado pelo estado, a exclusão social e a corrupção aparecem como as maiores causas da violência no Rio de Janeiro, no relatório que a Anistia Internacional divulgará amanhã. O futuro dependerá da "vontade política" do governador Sérgio Cabral (PMDB), segundo o documento. "O estado se encontra numa encruzilhada. Se o Rio de Janeiro não quiser cair ainda mais fundo no abismo da violência criminal, Sérgio Cabral, o novo governador, deve começar a implementar as mudanças estruturais de longo prazo necessárias para sair dessa situação", diz o relatório.

- Notamos que, além de o crime estar enraizado, há vantagens corruptas no sistema, inclusive no judicial, interessado em manter os problemas - disse o pesquisador da Anistia Internacional para o Brasil, Tim Cahill.

O relatório afirma que nas primeiras semanas do mandato de Cabral foram notadas mensagens positivas, como a redução do uso do caveirão e das mortes causadas pela polícia. "Mas também deve se levar em consideração seu apoio público às operações como as realizadas no Complexo do Alemão, assim como seu pedido para utilização das Forças Armadas nas ruas, antes que uma avaliação do seu governo possa ser feita".

- Os métodos usados nem sempre são respeitosos com a população ou sequer eficazes. Além disso, o aumento das milícias no Rio nos preocupa profundamente, porque refletem a distância do estado, a vulnerabilidade social e a exclusão - disse Cahill.

Entidade destaca provas de ligação da polícia com o crime

No documento, a Anistia diz ainda que acolheu com satisfação as promessas de mudanças feitas por Cabral, inclusive de cooperação com os governadores do Sudeste e o governo federal, mas destaca que, "como as operações violentas lançadas contra o Complexo do Alemão continuam, a estratégia policial ainda se caracteriza pela repressão bruta". E conclui: "Resta saber se Cabral conseguirá reunir a vontade política para implementar as mudanças fundamentais dentro das forças policiais do Estado".

A Anistia destaca que as provas, cada vez mais contundentes, das ligações de alto nível com o crime organizado dentro da polícia do Rio reafirma a necessidade de reforma profunda pelo governador.

A Secretaria de Segurança do Rio refutou o relatório e divulgou nota afirmando que adotou uma série de medidas dentro da nova filosofia de trabalho: "O uso do carro blindado, conhecido como caveirão, está limitado às operações de alto risco. O veículo não é mais usado para ações rotineiras ou de policiamento ostensivo. A secretaria deste governo tem valorizado o uso da inteligência no lugar da repressão aleatória". A secretaria afirmou reconhecer que "há problemas estruturais nas polícias e está trabalhando para resolvê-los". O governo de São Paulo preferiu não comentar as críticas.

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Quando ainda disputava a eleição do ano passado, o governador Sérgio Cabral, então senador e candidato do PMDB à sucessão de Rosinha Garotinho, condenou publicamente a violência gerada pelas operações policiais em morros, favelas e outras comunidades de baixa renda da Região Metropolitana do Rio.

No dia 23 de julho, em visita às favelas da Rocinha e do Vidigal, Cabral - que era apoiado por Rosinha e seu marido, o ex-governador Anthony Garotinho - prometeu, se eleito, coibir a violência policial neste tipo de operação.

- As operações ocasionais jogam a população contra a polícia. Essa política de trauma é burra. O uso do caveirão deveria ser a última opção, mas passou a ser rotina - afirmou Cabral na ocasião, durante um corpo-a-corpo em áreas com pichações de facções criminosas, quando foi protegido por dez seguranças.

Tempos depois, já empossado governador, voltou a manifestar a intenção de controlar a ação policial nos morros e favelas ao apoiar o monitoramento dos carros blindados da PM (caveirões) que entravam nestas comunidades. No dia 5 de fevereiro, após denúncias de supostos abusos praticados pelo blindado (esses carros teriam sido usados para apoiar ataques de milícias paramilitares), o comandante-geral da PM, coronel Ubiratan Ângelo, disse que pretendia fazer algum tipo de controle eletrônico dos veículos.