Título: Decisão divide entidades ligadas ao tema
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 03/05/2007, O País, p. 3
Alguns especialistas avaliam que saldo é positivo, enquanto outros vêem retrocesso.
RIO, SÃO PAULO e BRASÍLIA. Em 2004, ano seguinte à aprovação do Estatuto do Desarmamento, as mortes por armas de fogo caíram pela primeira vez no Brasil, depois de 13 anos seguidos de aumento significativo. Um relatório divulgado em 2005 pela Unesco, órgão da ONU para educação e cultura, atribuiu a queda nos índices à campanha do desarmamento, iniciada logo após a aprovação do estatuto, e às regras rigorosas de restrição ao uso de armas de fogo pela população civil.
Ontem, a reação das entidades envolvidas com o tema variou. Especialistas lamentaram as mudanças impostas pelo STF, mas ainda viram algo de positivo: a preservação do restante do Estatuto, que os defensores das armas também queriam derrubar. Outras ONGs, no entanto, viram no resultado da votação um sinal de que há um risco de retrocesso ainda maior.
Para o coordenador do Programa de Controle de Armas da ONG Viva Rio, Antônio Rangel Bandeira, a votação acabou sendo uma grande vitória dos que defendem a nova lei.
- As dez ações de inconstitucionalidade pediam a revogação de todo o estatuto. Agora, do ponto de vista legal, o estatuto está consolidado.
Ele considera que houve uma pequena perda, com a derrubada da prisão sem fiança para porte ilegal.
- A aplicação desse dispositivo prendeu vários bandidos não porque eram bandidos, mas porque estavam com arma. Isso era muito bom.
Para especialistas da Rede Desarma Brasil, a mudança pode ser apenas um primeiro sinal de um enfraquecimento ainda maior da legislação contra a violência no Brasil.
- Essa mudança foi um triste perda, depois de muitos anos de luta para que o país tivesse um melhor controle das armas. Agora, nosso maior medo é que essa medida abra portas para outras piores. Tramitam no Congresso 108 projetos que prevêem a mudança do estatuto, a grande maioria muito negativa - disse Heather Sutton, coordenadora do Instituto Sou da Paz, que integra a Rede Desarma Brasil.
O presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, acredita que o STF tomou decisões acertadas tanto por considerar o estatuto constitucional como por permitir a fiança ao preso por porte ilegal de arma:
- O Supremo consolida o entendimento de que o estatuto está em vigor e que é constitucional, demonstrando claramente o acerto daqueles que defendem maior controle da circulação e uso de arma de fogo. A correção que se fez ao estatuto foi na base referente ao exagero de tornar inafiançável o porte de arma. Responder a processo em liberdade é um direito inerente à pessoa humana, ainda mais quando não formada a culpa.
"Terão que voltar a soltar sujeitos presos com armas raspadas"
Senadores e deputados lamentaram a decisão do STF, mas ressaltaram que uma parte importante do estatuto foi preservada:
- Não podemos pôr em questão uma decisão do Supremo, mas com ela o estatuto sai muito enfraquecido. Isso é lamentável num momento em que o país atravessa um debate forte sobre o problema da violência. O estatuto é um dos principais instrumentos de controle da criminalidade - afirmou o relator do estatuto no Senado, Cesar Borges (DEM-BA).
Já o governo comemorou a manutenção do essencial no estatuto:
- O STF reconheceu a política de segurança pública do governo federal e do Parlamento no controle da comercialização e produção das armas de fogo no país - avaliou o advogado-geral da União, José Antônio Toffoli.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), evitou criticar publicamente a decisão, mas aos senadores não escondeu sua desaprovação. Renan considerava importante manter a prisão inafiançável para o porte ilegal de arma.
Ex-secretário Nacional de Segurança, José Vicente da Silva Filho, hoje dirigente da ONG Instituto Pró-Polícia, também protestou contra a decisão do STF. Ele ressalta que as medidas alteradas estão entre os fatores mais importantes da coibição da violência.
- É lamentável! Será uma grande frustração para os policiais. Agora terão que voltar a soltar sujeitos presos com armas raspadas, por exemplo.