Título: STF abranda lei sobre armas
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 03/05/2007, O País, p. 3

Tribunal derruba do Estatuto do Desarmamento punições a porte e comércio ilegal.

OSupremo Tribunal Federal (STF) desfigurou ontem o Estatuto do Desarmamento, em vigor no país desde dezembro de 2003, ao tornar mais brandas as punições ao porte ilegal e ao comércio ilegal de armas. A maioria dos ministros concordou em derrubar três dos principais dispositivos do estatuto. Foram considerados inconstitucionais os artigos 14 e 15, que estabeleciam como inafiançáveis o porte ilegal de armas e o disparo em via pública ou local habitado. Por último, foi retirado do estatuto o artigo 21, que impedia a concessão de liberdade provisória a quem fosse preso por porte de arma de uso restrito, comércio ou tráfico internacional de armas.

Agora, quem for pego praticando os crimes definidos nos artigos 14 e 15 terá direito a pagar fiança para sair da prisão. E quem for preso pelos crimes do artigo 21 poderá responder em liberdade ao julgamento, enquanto ainda for possível recorrer da eventual sentença condenatória. Nos dois casos, o juiz terá de examinar a situação específica antes de conceder ou não os benefícios previstos. Normalmente, a liberdade provisória e o pagamento de fiança são negados para quem já tenha cometido o mesmo crime.

A decisão foi tomada pela corte durante o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade proposta em janeiro de 2004 pelo PTB. Estavam em pauta outras nove ações semelhantes que também contestavam o Estatuto do Desarmamento. O mesmo resultado do julgamento principal foi estendido para essas ações. Entre os autores, estão partidos políticos e entidades de defesa do uso de armas.

A discussão sobre o tema foi longa e controversa. As ações questionavam a constitucionalidade de todo o estatuto. O relator, ministro Ricardo Lewandowski, concordou em banir apenas os artigos 14, 15 e 21. Ele argumentou que a Constituição lista os crimes inafiançáveis, e não cita porte ilegal de arma e disparo em via pública. Entre os crimes com este tratamento, a Constituição inclui tortura, tráfico de drogas e terrorismo.

Presunção da inocência prevalece

O ministro Carlos Ayres Britto foi o primeiro a discordar. Para ele, o Congresso, que aprovou o estatuto, teria competência para definir outros crimes inafiançáveis. Apenas mais três ministros concordaram com Britto, que foi vencido, e a votação terminou com o placar de 6 a 4. Ao votar pela manutenção do disparo com arma de fogo em via pública na lista de crimes inafiançáveis, o ministro Marco Aurélio de Mello ressaltou que o Legislativo estava preocupado com o crescimento da violência no país quando aprovou o Estatuto do Desarmamento:

- A decisão do legislador levou em consideração a quadra vivida. Espero não presenciar o dia em que todos nós teremos que sair à rua de colete.

Em relação ao artigo 21, Lewandowski ponderou que proibir a liberdade provisória é desrespeitar o princípio constitucional da presunção da inocência. O ministro defende que o acusado de cometer o crime tenha direito a responder em liberdade até a última instância do Judiciário, quando não tiver mais possibilidade de recorrer de sentença condenatória. "A possibilidade de o acusado aguardar solto o desfecho de seu processo criminal é garantia constitucional", afirmou a defesa do PTB na ação. O único a discordar foi Marco Aurélio.

O STF manteve no Estatuto do Desarmamento os demais artigos. Um dos temas discutidos foi a tese, sustentada pelo PTB, de que o estatuto não poderia ter sido aprovado pelo Congresso. Segundo o partido, o Legislativo não tem competência para dar atribuições a um órgão do Executivo - o Sistema Nacional de Armas, ligado ao Ministério da Justiça. A tarefa seria exclusiva do presidente da República. O Sinarm tem entre suas atribuições autorizar ou não a compra de armas de fogo por cidadãos.

A ação do PTB também alegou que o estatuto desrespeitaria o direito de propriedade e de legítima defesa, mas o STF manteve a lei.