Título: A chance de Lula
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Globo, 03/05/2007, Opinião, p. 7

Para usar o estilo e a ambição que tanto agradam ao presidente Lula, ele está, de fato, diante de uma enorme possibilidade: a de se tornar o maior presidente desenvolvimentista da era moderna. O título, por amplo entendimento, permanece com Juscelino Kubitschek (1956/60), embora possa ser disputado pelos generais do período do "milagre econômico".

Ocorre, porém, que os dois casos apresentaram péssimos efeitos colaterais: herança inflacionária, desequilíbrios nas contas externas e públicas. Sem contar o autoritarismo do regime militar.

Já Lula é o primeiro presidente da era moderna a governar em ambiente que combina plena democracia com estabilidade macroeconômica. A inflação está no chão, as contas externas são superavitárias, sem qualquer vulnerabilidade, e contas públicas estão sob controle, com redução progressiva do endividamento. E isso com a economia mundial atravessando o melhor momento desde o final da Segunda Grande Guerra (1945).

O que falta para o Brasil decolar e catapultar Lula ao primeiro lugar entre os desenvolvimentistas? Um surto de investimentos produtivos.

Há condições de fazer isso? Sim, mas não pela via do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O plano se baseia em investimentos públicos e privados, mas pretendendo-se que estes sejam comandados, orientados e, em boa parte, financiados pelo Estado.

Não vai funcionar. O governo Lula tem se mostrado especialmente ineficiente nesse departamento de investimentos em infra-estrutura. Primeiro, porque, de fato, falta dinheiro, já que a quase totalidade do gasto público primário vai para previdência, pessoal, programas sociais e custeio da máquina. Embora arrecade quase 25% do PIB em impostos, o governo federal aplica menos de 1% em investimentos.

Além disso, a burocracia, a má qualidade dos quadros - nomeados mais por indicação partidária do que por competência técnica - e as diversas ideologias bloqueiam os investimentos. O caso das hidrelétricas do rio Madeira é o melhor exemplo de paralisia em conseqüência de causas múltiplas.

Por outro lado, o setor privado não se sente confortável. Enquanto o PAC conta com investimentos privados, outras alas do governo manifestam freqüente desconfiança e até hostilidade.

Mesmo entre os que reconhecem a necessidade dos investimentos privados, prevalece o entendimento de que as empresas precisam ser orientadas e estritamente vigiadas. O resultado disso é uma curiosa combinação de falta de investimentos - porque o governo não consegue fazer as licitações ou porque muitas companhias privadas não querem esse tipo de sociedade com a administração pública - e de investimentos sem risco, pois o governo oferece o projeto, o financiamento via BNDES ou a isenção de impostos, e remunera a empresa privada.

Mas são raros os casos em que o governo Lula consegue colocar os projetos. Foram dois anos inteiros para se conseguir definir e aprovar a lei das Parcerias Público-Privadas, em dezembro de 2004. E até aqui o governo federal não conseguiu iniciar uma única PPP, ao contrário de estados como São Paulo e Minas, que já tocam negócios nessa modalidade.

Tudo considerado, em nível federal, nem saem os investimentos públicos nem os privados.

Qual a saída?

Criar espaço e condições para o investimento privado naquele setor em que os negócios podem deslanchar de imediato: na construção e/ou reforma de estradas, ferrovias, portos e, mesmo, aeroportos.

Basta o governo federal lançar amplo programa de concessões a empresas privadas para transformar o país em um canteiro de obras. E isso em um setor essencial para o crescimento, que emprega mão-de-obra abundante e movimenta quase toda a economia, da produção de areia ao aço.

Há setores do governo Lula que continuam se opondo a esse tipo de privatização, mas se o presidente tiver um pouco de determinação política conseguirá tocar o programa.

E, convenhamos, não é difícil fazer esse tipo de licitação. Dá para copiar. Há programas do gênero, especialmente concessão de rodovias com pedágio em países desenvolvidos, como França, Itália e Espanha, em quase desenvolvidos, como Austrália, e em emergentes, como Índia, China e México.

É só fazer, pois o setor privado, nacional e internacional, tem dinheiro, competência e disposição. Lula tem grande chance à sua frente. O país também, claro. Seria uma lástima perdê-la por conta de ideologias já falecidas.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista. E-mail: sardenberg@cbn.com.br.