Título: As críticas de Fidel são improcedentes
Autor: Lima, Haroldo
Fonte: O Globo, 03/05/2007, Opinião, p. 7

O programa brasileiro de biocombustíveis - produzir o etanol, a partir da cana-de-açúcar, e o biodiesel, de oleaginosas - tem mostrado consistência sob os aspectos técnico, ambiental, comercial e social. Seu potencial de negócios é inestimável, como mostram os entendimentos havidos entre os presidentes Lula e Bush. E sua faculdade de despertar polêmicas também é significativa. No dia 1º de maio, o presidente Fidel Castro divulgou mais um artigo sobre o tema, o terceiro em menos de dois meses, todos críticos ao programa.

A 27 de abril se encerrou a reunião do Parlamento Latino-Americano, realizada em Havana. O tema central da Comissão de Minas e Energia do Parlatino foi Biocombustíveis, focado no etanol. Das discussões participaram 12 delegações - Brasil, Venezuela, Equador, Uruguai, Bolívia, Chile, Cuba, Colômbia, Paraguai, México, Costa Rica e Argentina - e mais representantes de entidades convidadas, entre elas a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP). Havia uma com clara visão crítica ao programa do etanol do Brasil, outras manifestavam inquietação sobre os rumos dos entendimentos entre o Brasil e os Estados Unidos.

Na história das Américas, Estados Unidos e Brasil têm tido papéis bem diferenciados, uma vez que são distintas as expectativas que deles fazem os povos em geral.

Entende-se que qualquer movimento que sinalize para um acordo ou uma parceria entre esses países, sobretudo em torno de tema tão atual, gera preocupações e requer explicações.

Foi no sentido de se antecipar com explicações básicas sobre o assunto que o presidente Lula fez publicar, na véspera de sua última viagem aos Estados Unidos, em 30 de março, no "Washington Post", o artigo "Nossa parceria em biocombustíveis".

O presidente mostrou a base do projeto brasileiro - a experiência de mais de 30 anos do etanol na matriz energética do país, que resultou na substituição, por etanol, de 40% da gasolina consumida no Brasil. Afastou o receio de que se pretenda enveredar com plantações de cana-de-açúcar pela Amazônia, alertando que o solo amazônico é impróprio para essa cultura. E negou que a produção de alimentos esteja ameaçada, argüindo com a reserva de terra disponível no Brasil, onde a cana-de-açúcar tem por onde se estender, sem sacrifício de áreas produtoras de alimentos.

O artigo divulgado por Fidel Castro acentua o que, a seu ver, seria grave ameaça de retirada de gêneros alimentícios do nosso continente para aumentar a produção do etanol.

Depois de mostrar que a produtividade das plantações de milho nos EUA é três vezes maior que a brasileira, e depois de se referir à destinação das nossas 34,6 milhões de toneladas de milho em 2005, "integralmente consumidas como alimentos no mercado interno", o líder cubano pergunta: "O que acontecerá quando milhões de toneladas de milho forem dedicadas à produção de biocombustíveis?"

A indagação nos remete a uma consideração sobre os dois caminhos do etanol, o do milho e o da cana-de-açúcar, o americano e o brasileiro. O primeiro parte de uma matéria-prima, o milho, que, na produção do etanol, tem 1,2 de balanço energético - ou seja, produz 20% a mais de energia do que a consumida para produzir o etanol. O segundo usa uma matéria-prima, a cana, que, na produção do etanol, tem oito de balanço energético - quer dizer, produz 700% a mais de energia do que a consumida no processo produtivo.

Quem tem cana-de-açúcar em abundância, com superioridade energética tão grande, já dispõe de tecnologia avançada para processá-la e tem vastas reservas de terra disponíveis pode dar uma resposta peremptória à pergunta do presidente Fidel: "Nada acontecerá, porque não está em cogitação o deslocamento do milho para finalidades energéticas".

As preocupações levantadas pelo presidente Fidel Castro são improcedentes, quando relacionadas ao caminho brasileiro da produção do etanol baseado na cana-de-açúcar. Elas e outras, contudo, devem ser levadas em conta, para ficarmos prevenidos frente a problemas futuros.

HAROLDO LIMA é diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.