Título: Chumbo grosso no câmbio
Autor: Eloy, Patricia e Beck, Martha
Fonte: O Globo, 04/05/2007, Economia, p. 25

BC gasta US$4 bilhões em apenas três horas para evitar que o dólar chegue a R$2.

Numa tentativa de conter a qualquer custo a queda acentuada do dólar - que chegou a valer R$2,005 na mínima do dia - o Banco Central (BC) fez ontem uma atuação inédita, gastando cerca de US$4 bilhões em duas operações distintas, que ocorreram num prazo de apenas três horas. O volume supera em quase quatro vezes a carga de intervenção dos últimos dias. Ainda assim, a moeda americana encerrou os negócios em leve alta, de 0,20%, cotada a R$2,028. Para analistas, mesmo com a atuação mais agressiva do BC, o dólar caminha em direção aos R$2.

A entrada maciça de recursos no Brasil - dinheiro de exportadores e investidores estrangeiros que aplicam no mercado financeiro - levou o dólar a R$2,005 pela manhã. Apenas 15 minutos depois, o BC fez a primeira investida: anunciou um leilão de swap cambial reverso, em que vendeu US$3,152 bilhões. Esse tipo de operação, que funciona como uma compra de dólares no mercado futuro, vinha movimentando US$600 milhões por dia, em média.

Exportador antecipa entrada de recursos

Após o leilão, o dólar começou a subir. Mas o BC voltou à carga e, perto do encerramento dos negócios, fez nova operação, desta vez no mercado à vista, onde teria comprado pouco mais de US$900 milhões, bem acima da média de US$300 milhões a US$500 milhões.

- As intervenções são absolutamente ineficazes no sentido de alterar a trajetória do câmbio. Elas apenas reduzem a volatilidade das cotações - diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe para a América Latina do ABN Amro Real e ex-diretor da Área Internacional do BC.

Mário Paiva, analista de câmbio da corretora Liquidez, ressalta que as intervenções tornaram o país menos vulnerável a choques externos, já que os dólares adquiridos no mercado à vista engordam as reservas internacionais, hoje em US$122,3 bilhões.

A equipe econômica, porém, não prevê medidas heterodoxas para impedir a valorização do real, mas ações pontuais para ajudar setores prejudicados pelo câmbio. Uma delas é a desoneração de PIS/Cofins e IPI nas compras de matérias-primas para empresas cuja produção é voltada para a exportação, o que reduziria custos nos setores intensivos em mão-de-obra. Esse benefício já existe para companhias que exportam pelo menos 80% da produção, o que atinge um pequeno grupo de empresários. A idéia seria baixar o percentual para 60%.

Entre os setores mais afetados pelo dólar baixo estão o têxtil e o de calçados, que foram beneficiados pelo aumento da tarifa de importação para 35%. Mas a equipe econômica também considera a opção de desonerar a folha de pagamento desses setores.

Apesar de ser o principal atingido pelo câmbio, o setor exportador tem ajudado a garantir a cotação desvalorizada. Dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) mostram que, embora o saldo da balança comercial mostre que somente US$12,9 bilhões foram efetivamente vendidos ao exterior, US$30,4 bilhões entraram no mercado doméstico. Segundo o economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), os exportadores estão antecipando a entrada de recursos para aplicar no mercado financeiro, a juros altos:

- Assim, compensam eventuais perdas com o dólar mais baixo.

Em meio à enxurrada de dólares, a América Latina perdeu espaço em relação a outros mercados em investimentos estrangeiros diretos (IED) em 2006, mesmo tendo registrado aumento no volume, segundo a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). Estudo divulgado ontem mostra que os investimentos na região chegaram a US$72,440 bilhões em 2006, 1,5% a mais que em 2005. O montante, no entanto, representou apenas 9,8% do IED global - o segundo valor mais baixo dos últimos 15 anos. Na região, o México foi o país que mais recebeu recursos: US$18,940 bilhões. O Brasil ficou em segundo lugar, com US$18,780 bilhões.

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