Título: Batalha francesa
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 04/05/2007, Economia, p. 26

A disputa eleitoral francesa é mais complexa do que parece. Os dois candidatos representam a renovação, os dois defendem teses conservadoras: vão manter políticas que deveriam mudar para atualizar a economia francesa. Tanto a direita quanto a esquerda são protecionistas. O candidato da direita, supostamente liberal, quer política industrial com barreira tarifária para proteger as empresas francesas.

O que muda na França, qualquer que seja o resultado eleitoral do domingo, é que uma nova geração de políticos disputa este segundo turno. Está chegando ao poder a geração dos 45 a 55 anos, aposentando as lideranças que até agora estiveram no cenário. No caso do Partido Socialista, a renovação é mais ousada: mudou o gênero. Na direita, a ousadia é ter, na corrida presidencial, um filho de imigrantes húngaros.

O que não muda? Qualquer que seja o resultado, o Estado francês continuará poderoso, intervencionista, participando da atividade econômica, regulando excessivamente tudo. Na França, não se pode abrir o comércio aos domingos sem autorização estatal.

A economia francesa é grande, continua sendo. Muita gente acha que ela vive das glórias do passado. De certa forma, é verdade: em 25 anos, seu PIB per capita caiu de 7º para 17º lugar no mundo. No ano passado, o PIB cresceu 2%, este ano, pode crescer 2% também. O resto da Europa está crescendo mais, a Alemanha tem acelerado o passo. Tem sido, nos últimos anos, o menor ritmo de crescimento da Europa, e a dívida é a que mais cresce: saiu de 48,5% do PIB em 2002 para 55% no ano passado. O déficit caiu um pouco, mas é alto. Um dos problemas é o tamanho da carga tributária e o tamanho do Estado. O desemprego é 9%, o que não parece tão alto. Mas, entre os jovens, a taxa dobra; entre os jovens filhos de imigrantes, chega a 30%. Imigrantes que, há 40 anos, quando chegaram ao país, conseguiram trabalho e hoje vêem seus filhos mais deslocados na sociedade do que eles se sentiram.

Com tudo isso para resolver, o que mobilizou tanto a candidata socialista Ségolène Royal quanto o candidato à direita, Nicolas Sarkozy, foi a jornada de 35 horas. Ségolène defende a conquista francesa e Sarkozy tem propostas tímidas de flexibilização do mercado de trabalho, apesar de ter dito que o "pior que aconteceu" à França foi a jornada de 35 horas. A pergunta que ela fez a ele não tem respostas: por que, então, não se mudou isso nos últimos quatro anos em que o partido dele esteve no poder? No debate de domingo, François Bayrou foi mais incisivo: disse que a França não pode continuar sendo o país onde se trabalha menos horas por dia, menos anos na vida.

Uma jornalista famosa na França, Christine Ockrent, escreveu recentemente que "A França quer a mudança, mas é a mudança que ela teme." Em outra frase, mais definitiva, ela disse que a "França gosta de se ver como revolucionária, e não gosta de mudar nada".

Mas como querer a mudança quando se tem tanto? É ainda a 6ª maior economia do mundo, dez das 50 maiores empresas européias são francesas, o país tem uma burocracia estatal famosa por sua qualificação; uma educação de qualidade, toda pública; um sistema de proteção social forte.

Grandes sindicatos dominam o mercado de trabalho impedindo qualquer mudança. A proposta recente de um contrato do primeiro emprego que aumentava as facilidades para a demissão do funcionário com menos de um ano no emprego e com menos de 26 anos de idade provocou protestos e foi revogada.

Existem algumas claras diferenças entre os dois candidatos, mas não se pode dizer quem seria a solução. Os dois têm pontos fortes e pontos fracos.

Ela é europeísta; ele mais nacionalista no sentido tradicional. Ela tem uma postura mais forte e mais amadurecida na área ambiental. No debate de quarta-feira, ela defendeu incentivos fiscais para empresas ambientalmente sustentáveis. Ele tem uma proposta mais dura em relação à imigração, ela quer montar estratégias de inclusão. Ele rejeita a Turquia na Europa, ela acha que deveria se submeter essa questão a um referendo popular. Ela quer redução das desigualdades do valor da aposentadoria entre homens e mulheres, ele não tem uma proposta para enfrentar o déficit na previdência, que começa a crescer. Os dois querem crescimento, claro, mas ela acha que faz isso aumentando a demanda com mais salários e mais gastos públicos, ele acha que isso agrava a estagnação. Ela quer taxar o ganho de capital dos investidores em bolsa, e, de fato, as empresas tiveram forte valorização nos últimos anos. Ele reclama que a carga tributária é alta e propõe que se limite os impostos em - pasmem - 50%.

Nenhum dos dois quer realmente enfrentar o pesado custo do subsídio francês à agricultura que, segundo uma pesquisa recente, é apropriado basicamente por grandes empresas produtoras de açúcar de beterraba e bem menos pela tradicional agricultura que compõe a paisagem francesa.

Mas a França é a França, e parece sempre estar mudando, mesmo quando é conservadora. O debate elegante e intenso entre os dois candidatos presidenciais mostrou isso. Enormes desafios esperarão o vencedor da eleição de domingo, mas o que se viu nas últimas semanas foi uma confiante e sólida democracia renovando lideranças e esperanças.