Título: O novo rosto moderado da Igreja no Brasil
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 07/05/2007, O País, p. 5

Geração de arcebispos supera antiga divisão entre progressistas e conservadores e ganha poder na CNBB.

BRASÍLIA. Após anos de forte presença da linha progressista nos anos 1970, a Igreja Católica no Brasil mudou. E hoje, passadas três décadas, assumiu um rosto moderado. O novo perfil do episcopado é marcado por arcebispos que, apesar de jovens para os padrões da Igreja, já possuem longa experiência.

Em substituição a nomes que marcaram a história recente do país com uma forte participação política e social, como os arcebispos dom Hélder Câmara e dom Luciano Mendes de Almeida, e os cardeais dom Paulo Evaristo Arns e dom Aloísio Lorscheider, surgem, com influência, os arcebispos dom Odilo Pedro Scherer, de São Paulo, dom Raymundo Damasceno, de Aparecida, dom Orani Tempesta, de Belém, e dom Geraldo Lyrio Rocha, de Mariana.

É praticamente consenso na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que o momento atual é de maior harmonia no episcopado. Bem diferente de anos recentes, quando a Igreja ficou dividida entre progressistas e conservadores.

¿ No passado, tivemos momentos de maior tensão. Mas, hoje, a Igreja no Brasil está mais unida. Há consenso nos pontos fundamentais que norteiam a nossa ação evangelizadora. Prova disso é que os documentos da CNBB são votados por unanimidade ¿ diz dom Raymundo Damasceno, que será o anfitrião do Papa Bento XVI quando ele estiver em Aparecida.

Até chegar ao atual estágio de unidade foi preciso um grande esforço do episcopado. A tensão foi tamanha que alguns traumas ainda não foram superados, como o da substituição de dom Hélder Câmara, na arquidiocese de Olinda e Recife. No fim dos anos 80, o seu sucessor, o arcebispo dom José Cardoso Sobrinho, silenciou com mão de ferro o clero progressista da região.

Aos poucos, o Vaticano fez substituições estratégicas nas dioceses brasileiras. A interferência não foi por acaso: a Santa Sé enxergava na Teologia da Libertação ¿ que crescia no país com muitos líderes ligados a partidos de esquerda ¿ um método de análise da sociedade que partia de uma visão marxista, com pressupostos materialistas e não religiosos, que apresentava Cristo como revolucionário, deixando de lado a transcendência espiritual.

A cicatriz deixada na Igreja do Brasil só não foi maior por causa da ação conciliadora de alguns setores conservadores do episcopado. Diferentemente de outros países latino-americanos, o diálogo entre os dois grupos que ocupavam campos opostos foi mantido entre os brasileiros. A habilidade do cardeal-arcebispo emérito do Rio de Janeiro, dom Eugenio de Araújo Sales, por exemplo, foi fundamental para barrar algumas ações do regime militar contra integrantes do clero progressista. Gestos como esse foram reconhecidos por todos os setores do episcopado, o que acabou propiciando uma transição mais suave.

Mas pelo menos uma semelhança é possível detectar entre o episcopado dos anos 70 e o atual: nos dois casos, os bispos mais influentes aparecem com forte atuação na CNBB. Tanto dom Odilo como dom Damasceno tiveram projeção nacional na função de secretário-geral da CNBB, fato que foi reconhecido pelo Vaticano. Tanto que, de bispos auxiliares, passaram a dirigir arquidioceses importantes. Na sexta-feira, a CNBB elegeu o bispo-auxiliar do Rio de Janeiro, dom Dimas Lara Barbosa, para o cargo de secretário-geral.

Mas, apesar do perfil moderado, alguns bispos progressistas ainda mantêm influência na Igreja brasileira. O maior exemplo é a atuação do arcebispo de Porto Velho, dom Moacyr Grechi, que nos 26 anos em que esteve na diocese de Rio Branco foi durante muito tempo a única voz em defesa do movimento ecológico da região liderado por Chico Mendes e seu movimento de seringueiros. Nos anos 1990, ele também denunciou os grupos de extermínio no Acre.

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