Título: Enéas, ujm político com seu bordão
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Fonte: O Globo, 07/05/2007, Rio, p. 12

Leucemia mata o deputado, três vezes candidato a presidente da República.

Foram apenas 15 segundos. Mas em 1989, ano das primeiras eleições diretas para presidente desde o golpe militar, em 1964, uma figura surgiu em meio aos políticos tradicionais que apareciam na propaganda eleitoral obrigatória. ¿Meu nome é Enéas¿ era o bordão do cardiologista Enéas Ferreira Carneiro, formado ainda em ciências exatas, e fundador do Prona (Partido da Reedificação da Ordem Nacional).

Naquela eleição, o tom raivoso e as palavras rápidas serviram para fazer de Enéas uma pessoa conhecida no país. Aliás, bem conhecida para alguém que aparecia pela primeira vez: ele teve 360.561 votos e ficou em 12º lugar. O folclore em torno de suas aparições na TV o transformou em objeto de desejo de empresas de publicidade. Ele recusou todas até que, em 1991, foi a estrela de um comercial de 15 segundos da Casa Veneza, para o Dia das Mães.

Entre 1989 e 1994, Enéas trabalhou para fortalecer o Prona. Com representação na Câmara, nas eleições de 1994, conseguiu pouco mais de um minuto no horário gratuito. Com idéias polêmicas, seu desempenho surpreendeu: ficou em terceiro lugar, com 4,6 milhões de votos, à frente do ex-governador do Rio Leonel Brizola e de Orestes Quércia, ex-governador paulista.

Defensor da bomba atômica brasileira, Enéas não economizava munição contra os então candidatos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Para ele, Fernando Henrique só era diferente do ex-presidente Fernando Collor por ser mais bem preparado. Lula seria semi-analfabeto.

A segunda derrota não o fez desistir. Voltou em 1998, com a mesma raiva, as mesmas críticas. Disse, à época, que nada lhe causava mais náusea e repugnância do que a classe política e ¿seu sórdido jogo de interesses¿. Mas dessa vez, os eleitores não foram tão generosos: teve 1.447.076 votos, ficando em quarto lugar. Não era o momento de ¿romper definitivamente com o sistema financeiro internacional¿, como Enéas desejava.

Em 2002, a famosa careca, barba comprida e preta e óculos grossos voltaram a concorrer. Mas à Câmara. Enéas recebeu dos eleitores de São Paulo o recorde de 1,5 milhão de votos. Com a votação, elegeu mais quatro deputados federais do Prona de São Paulo. Ildeu Araújo, por exemplo, conquistou um mandato mesmo tendo apenas 400 votos.

Na Câmara, não teve atuação de destaque nem apresentou projetos importantes. Ainda assim, foi reeleito em 2006, quarto deputado mais votado. Foi também ano passado que revelou a doença. Devido à leucemia, apareceu sem a barba que o caracterizava. Em discurso na tribuna, Enéas explicou que estava sem ela em conseqüência do tratamento.

Após as eleições, o Prona juntou-se ao PL para conseguir ultrapassar a cláusula de barreira. Mas Enéas disse que a fusão não implicaria ¿calar sua voz¿. Foi criado o PR.

¿ Enéas marcou época com seus princípios nacionalistas e sua personalidade forte ¿ disse o líder do PR na Câmara, deputado Luciano de Castro (RR).

¿ Nos contatos pessoais (na legislatura de 2002 a 2007), ele se revelou uma pessoa bondosa, bom caráter, correto e um homem de palavra. O Brasil perde uma inteligência que poderia contribuir muito com o país ¿ lamentou o líder do DEM na Câmara, Onyx Lorenzoni (RS).

O presidente da Casa, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) decretou luto oficial por um dia. Hoje, a sessão de debates será aberta para que parlamentares possam homenagear Enéas. Terça-feira, os trabalhos voltarão ao normal.

¿ Ele mantinha firmes suas posições ideológicas e políticas, independentemente de quem fosse o interlocutor ¿ disse Chinaglia, que será representado pelo líder do PR no funeral, à Agência Câmara.

O deputado Enéas, de 68 anos, morreu ontem, às 14h, em seu apartamento, com a presença de parentes e amigos, como preferiu. O velório será na Capela 9 no Memorial do Carmo, no Caju, a partir das 9h. No fim da tarde, seu corpo será cremado. Nascido em Rio Branco, no Acre, Enéas era divorciado e deixa três filhas.

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