Título: Até juíza teria recebido propina da máfia do bingo
Autor: Rocha, Carla e Ramalho, Sérgio
Fonte: O Globo, 07/05/2007, Rio, p. 13

Ponha na do meu pai", diz magistrada ao inspetor Marcão, em conversa interceptada pela Polícia Federal.

O relatório da Operação Hurricane, da Polícia Federal, revela que uma juíza de São Gonçalo teria recebido dinheiro do inspetor de Polícia Civil Marco Antônio dos Santos Bretas, o Marcão, apontado como intermediário de propinas pagas pela máfia dos bingos. Os pagamentos mensais, segundo as transcrições do relatório da PF analisadas pelo GLOBO, seriam feitos, inclusive, na conta bancária do pai da magistrada Sônia Maria Garcia Leite Machado. Titular da 4 ª Vara de Família de São Gonçalo, a juíza conheceu Marcão quando atuava na 1ª Vara Criminal de Bangu, na Zona Oeste, em 2000.

Magistrada se diz vítima de um mal-entendido

Procurada pelo GLOBO, a juíza Sônia Maria informou através da assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça ter mantido uma "relação de amizade" com Marcão, mas que não tinha conhecimento da ligação do policial com a máfia dos bingos. A magistrada afirma nunca ter proferido decisão em favor de bingos. Em licença médica desde quinta-feira, Sônia garante estar sendo vítima de um mal-entendido.

O relatório da PF destaca o teor de uma conversa telefônica entre a juíza e Marcão, interceptada em 16 de outubro passado. No trecho, o policial diz: "Você tem que apanhar "um" comigo". "Ponha na do meu pai", diz Sônia, orientando Marcão, de acordo com o relatório, a fazer o depósito na conta-corrente do seu pai.

Provavelmente preocupado com uma eventual escuta, Marcão é cauteloso: "Tá, nesse telefone aqui eu não quero que você me dê o número da conta agora não, vou ver se te ligo de outro, pra você me dar a conta. Vou botar na do teu pai que eu acho que a Fátima tem", diz ele. A juíza acrescenta: "Se você não conseguir, você me liga então, porque aí eu te passo... Tá bom. Chegou assim, chegou na hora de Deus".

Num outro telefonema que foi gravado, Marcão conversa com a secretária da juíza, identificada no documento apenas como Fátima, que lhe informa o número da conta em que o depósito deverá ser feito. Nas conversas transcritas no relatório da investigação da Polícia Federal, Marcão não faz referência aos valores supostamente pagos à juíza.

Juíza nega ter recebido qualquer propina

A magistrada, por meio da assessoria do TJ, negou ter recebido propina da contravenção. Para a juíza, o envolvimento de seu nome no relatório da Polícia Federal estaria relacionado a uma vingança "pelo bom trabalho desenvolvido na 1ª Vara Criminal de Bangu". Sônia Maria argumenta que no período em que ficou à frente da comarca, entre 2000 e 2002, julgou crimes comuns, concedeu autorização para escutas telefônicas e foi pessoalmente a presídios para ouvir depoimentos.

Nesse período, a juíza disse que conheceu o inspetor Marcão, assim como vários outros policiais da região. Sônia lamentou o fato de o trabalho feito na vara de Bangu não ter tido tanta repercussão quanto as conversas gravadas pela PF:

- Não gosto de bandidos. Fui muito elogiada no TJ pelo trabalho desenvolvido em Bangu, mas isso não teve repercussão. Fico incomodada por ter meu nome envolvido nessa história - defendeu-se a magistrada.

Sônia foi transferida da 1ª Vara de Bangu no fim de 2002, quando foi para a Vara de Família da Pavuna e, depois, para a de São Gonçalo.