Título: Sarkozy faz apelo à conciliação
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 07/05/2007, O Mundo, p. 20

Jovens socialistas protestam após vitória da direita, com 53,06% dos votos.

Nicolas Sarkozy chegou finalmente onde há anos se preparava para chegar: no poder. O filho de imigrante húngaro descrito pelos críticos como homem de confronto foi eleito ontem o novo presidente da França. Com a apuração encerrada, Sarkozy teve 53,06% dos votos e a candidata socialista Ségolène Royal, 46,94%. Cerca de 85% dos eleitores foram às urnas, o maior índice de participação em 20 anos.

Sarkozy é, sem dúvida, o presidente eleito que mais polarizou o país: os franceses o amam, ou o odeiam. O primeiro gesto do novo presidente, que vai assumir o comando do país até 16 de maio, foi, justamente, acalmar os ânimos. Pouco tempo depois de anunciado o resultado, enquanto milhares de franceses saíram às ruas abrindo champanhe para celebrar a vitória, o novo presidente fez um discurso apaziguador, em que falou de união e elogiou sua grande rival socialista.

- Hoje não é a vitória de uma França contra outra - disse o novo presidente, que pouco tempo depois da confirmação da vitória recebeu os parabéns dos presidentes dos EUA, George W. Bush, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

Sarkozy acrescentou:

- A todos os franceses que não votaram em mim, eu quero dizer que indo além de batalhas políticas e de diferenças de opinião, para mim, só existe uma França.

Pouco depois do discurso de Sarkozy, as duas faces da França polarizada se mostraram. Enquanto na Praça da Concórdia 30 mil pessoas celebraram a vitória de Sarkozy, a Bastilha virou uma praça de guerra, com manifestantes se confrontando com a polícia. Cenas de quebra-quebra e gás lacrimogêneo que a França assiste desde 2005. Nos subúrbios de Paris, o clima tenso era refletido no reforço de segurança com 30 mil policiais. Em Lion, Nantes e em várias outras cidades também ocorreram protestos.

"Nunca a esquerda foi tão fraca", disse líder do Partido Socialista

A vitória de Sarkozy consagra a direita na França, há 12 anos no poder com Jacques Chirac. Mas Sarkozy saiu do quadro hierárquico e tradicional da política francesa e representa uma ruptura também com o legado de Chirac. O que explica sua vitória considerável nas urnas, apesar de ter sido ministro do governo Chirac, que saiu do comando da França com índices de popularidade baixíssimos.

E o tom de ruptura já se notava no discurso de Sarkozy, logo depois de anunciada sua vitória. Ele fez sua imagem como um homem pragmático que vai fazer a França "trabalhar". Promete flexibilizar a lei que limita o trabalho em 35 horas por semana, baixar impostos e reduzir a máquina do Estado, além de combater o desemprego. As sondagens indicavam que muitos franceses que diziam preferir a socialista Ségolène Royal viam em Sarkozy um candidato mais convincente em matéria de política econômica.

Em matéria de política externa, o tom de ruptura com o governo Chirac foi evidente. Sarkozy arrancou aplausos quando disse que queria passar uma mensagem "aos amigos americanos".

- Eles (os americanos) podem contar com a nossa amizade - disse Sarkozy, acrescentando que esta amizade também significa, da parte dos americanos, aceitar que "amigos também podem pensar diferente".

Os líderes da União Européia (UE) parabenizaram Sarkozy, que prometeu trazer a França de volta para o centro da UE. Depois que os franceses rejeitaram num referendo em 2005 o projeto de Constituição européia, a UE vive uma crise constitucional.

- Hoje a França está de volta na Europa - disse Sarkozy.

Para Ségolène Royal, a derrota foi amarga. Uma maioria de mulheres (52%) votou por Sarkozy, contra 48% para Ségolène. Mas os homens foram ainda maioria a apoiar Sarkozy: 54%. O novo presidente obteve apoio maciço dos idosos (61% das pessoas entre 60 e 69 anos de idade e 68% dos franceses acima de 70 anos), enquanto a candidata socialista foi favorita entre os jovens (58% entre 18 e 24 anos). Sempre sorridente, Ségolène fez um apelo à união da esquerda, mas enquanto falava os líderes da esquerda se dividiam.

- O que nós começamos juntos, vamos continuar juntos - disse Ségolène, posicionando-se implicitamente como a líder da esquerda.

Mas a expectativa é de racha, sobretudo dentro do Partido Socialista. Dominique Strauss-Khan, um dos pesos-pesados do PS, deu ontem mesmo um sinal da esperada guerra interna depois da derrota de Ségolène. Ele se disse "disponível" a liderar a "renovação social-democrata " do partido.

- É a terceira vez consecutiva que perdemos uma eleição presidencial. Nunca a esquerda foi tão fraca. A esquerda francesa não se renovou - disse.