Título: Político controverso que desde os 7 anos sonha com o palácio do Eliseu
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 07/05/2007, O Mundo, p. 21

Presidente eleito também é conhecido por sua língua afiada e arrogância.

PARIS. ¿Quem lhe deu o direito de passar a mão na minha cabeça? Não sabe que vou ser presidente?¿, disse um petulante menino de 7 anos a um visitante em sua casa, no início dos anos 60. Os franceses constataram que mais do que um sonho de criança, a frase ¿ lembrada pela mãe, Andrée ¿ foi profética. O fato é que naquele menino já estavam muitas características observadas hoje no presidente eleito, Nicolas Sarkozy.

Freqüentemente são atribuídas a ele definições como ¿língua afiada¿, ¿arrogância¿ e uma certa dureza ao lidar com questões delicadas, o que poderia afastar muitos eleitores. Mas elas, em geral, vêm acompanhadas pelas descrições de ¿orador brilhante¿ e ¿político incansável¿, que atraem outros tantos e ajudam a formar uma personalidade contraditória.

¿ Ele é hiperativo, ambicioso, trabalha duro, um workaholic. Nunca descansa ¿ descreveu sua biógrafa, Anita Hausser, à BBC. ¿ Ele é um advogado, então parece estar mais próximo das pessoas. Quer mostrar a elas que entende seus problemas e que vai resolvê-los.

Altamente combativo, o ex-ministro do Interior, cargo que exerceu até março, e líder da União por um Movimento Popular (UMP) divide opiniões. Seu discurso duro levou críticos a colocarem em dúvida sua capacidade de governar um país que se orgulha da tradição diplomática. E embora seja o candidato do partido do presidente Jacques Chirac ¿ que criticou duramente a invasão americana no Iraque ¿, é considerado muito mais pró-EUA do que os políticos franceses costumam ser.

Em seu momento mais polêmico, Sarkozy chamou de gentalha (racaille) jovens problemáticos da periferia de Paris. O comentário, um dos estopins para a onda de violência que se alastrou pelo país em 2005, levou críticos a compará-lo ao líder da extrema-direita, Jean-Marie Le Pen. Propostas como a criação de um ministério para a imigração reforçaram a acusação de que tentava atrair os eleitores do veterano político.

Embora filho de imigrantes, Sarkozy, de 52 anos, defende medidas duras para conter a imigração ilegal ¿ incluindo deportações ¿ além de outras para integrar estrangeiros mais qualificados à sociedade. Ao mesmo tempo, no entanto, propôs medidas afirmativas para membros de grupos étnicos minoritários. Sua proposta para o Estado patrocinar a construção de mesquitas surpreendeu os eleitores e é um dos planos que podem ser apresentados agora que foi eleito.

Sarkozy diz que a França precisa de mudanças e promete uma ¿ruptura tranqüila¿ com um certo estilo de política. Ele próprio parece encarnar essa mudança. Será o primeiro filho de imigrante a governar a França moderna e, diferentemente da maioria da elite política francesa, não freqüentou a École Nationale d¿Administration.

Filho de um nobre húngaro que fugiu do comunismo após a Segunda Guerra Mundial e de uma francesa de origem greco-judaica, foi batizado católico e cresceu em Paris. Cabelos longos, aos 19 anos liderava movimentos de jovens de direita, e com menos de 30 anos foi eleito prefeito de Neuilly-sur-Seine, cidade burguesa nos arredores de Paris.

Sua campanha cresceu embalada por um forte discurso pela segurança, além de promessas para encorajar a mobilidade social, melhorar as escolas e tirar o país da crise econômica. Entre as medidas que defende estão a redução de impostos e obrigações das empresas, a fim de facilitar contratações e demissões. Pretende ainda eliminar a carga máxima de trabalho de 35 horas semanais.

Sarkozy é pragmático. Também é considerado muito hábil em manobras políticas, e analistas destacam sua capacidade de se recuperar. Foi assim no relacionamento com o presidente Jacques Chirac, de quem era um protegido. Os dois romperam quando Sarkozy decidiu, em 1995, apoiar Édouard Balladur nas eleições presidenciais. Balladur perdeu, Chirac venceu e não esqueceu a traição. Mesmo assim, Sarkozy conseguiu ser nomeado duas vezes ministro do Interior e uma vez ministro das Finanças no governo Chirac. E ainda abriu caminho no partido para se tornar seu líder, em 2004, e mais tarde seu candidato ao Palácio do Eliseu.

Embora esteja na política desde a juventude, Sarkozy se apresenta como alguém novo, de fora, pronto a promover mudanças. Ele acredita em reformas de livre mercado e defende a proteção à agricultura.

¿ Quero proteger os franceses sem que me tachem de protecionista, e defender a nação sem que me chamem de nacionalista ¿ disse ele.

É capaz de dizer algo e se contradizer no momento seguinte, sem que o público perceba. Num comício, recordou o incidente que antecedeu a rebelião nos subúrbios de Paris em 2005. Mostrou orgulho ao lembrar a visita a um bairro da periferia quando chamou de gentalha os jovens de origem imigrante e prometeu limpar as ruas.

¿ Alguém tinha que dar um basta ¿ afirmou, sem explicar como suas palavras ajudaram a deflagrar a rebelião que deixou milhares de carros queimados e a imagem do país deteriorada.

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