Título: Além da violência, malária e onças pintadas
Autor: Awi, Fellipe
Fonte: O Globo, 06/05/2007, O País, p. 3

Famílias abandonam lotes mas continuam como beneficiárias da reforma agrária

PACAJÁ E TUCURUÍ (PA). Isolamento, falta de infra-estrutura, endemia de malária e a convivência com vizinhos indesejados, como madeireiros, pistoleiros e animais perigosos, como as onças pintadas. Seria o pesadelo de qualquer pessoa se não fosse a realidade de mais de 1.400 famílias de sem-terra levadas nos últimos quatro anos pelo Incra para 15 assentamentos no coração da Amazônia. Eles são levados para o assentamento, entram no registro de beneficiados do Incra, são vencidos pelas adversidades e vão embora.

Nas contas do governo, porém, os assentados fantasmas continuam engrossando a lista de beneficiados. Alguns chegam a receber o crédito de fomento, no valor de R$2.400, destinados à compra de equipamentos, sementes e insumos para o início da plantação, além de alimentos para consumo da família.

- O Incra está preocupado em cumprir suas metas. Viu que havia ali áreas da União mas não se importou em ver as condições necessárias para os assentamentos nem faz o acompanhamento adequado - critica Virgínia Cardoso, coordenadora da Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Tucuruí.

Um vereador de Pacajá, que pediu para não ser identificado, disse que já foi firmado um convênio entre o Incra e a prefeitura de Pacajá para asfaltar um trecho de 30 quilômetros até o assentamento do Rio Cururuí, de onde dezenas de famílias assentadas foram expulsas, mas um fazendeiro pôs uma corrente no meio do caminho e teria ameaçado dar tiros em quem cruzasse a linha.

- A malária e a impunidade são os maiores causadores do abandono dos agricultores que foram para aquela região - diz o vereador.

Assentada pegou malária 12 vezes

No assentamento Flor do Brasil, em Pacajá, Valdete Pereira pegou malária doze vezes em um ano e nove meses. A Sucam, que dá atendimento em assentamentos mais antigos, ainda não premiou sua casa com uma visita.

- Viemos para cá porque nos disseram que tinha muita terra aqui. Nem quisemos saber se o lugar era bom ou ruim. Não tem transporte nem ninguém faz promessa. Às vezes, temos vontade de ir embora - disse Valdete, cujo maior temor é ver o neto Micael contrair malária e não agüentar como ela agüentou 12 vezes.

Micael está sem aula nas últimas duas semanas porque o professor, que vem de Pacajá e trabalha numa choupana entre os assentamentos, voltou para a "rua" para se curar da malária. No assentamento Santa Cecília, no município de Portéu, o colono Sérgio Evaristo, a mulher e os filhos estão cuidando da casa do cunhado, que segue o padrão de todo o lugar: construída com barro, sem saneamento ou água potável e iluminada a óleo diesel, pois o programa Luz para Todos em assentamentos, do governo federal, ainda não chegou.

- Se Deus me permitir, vou fazer uma roça aqui. Mas o pior é ter que caminhar muitos quilômetros quando a gente quer sair para a rua - disse ele, que deixou a cidade de Dom Eliseu (PA), quase na divisa com o Maranhão. (F.A)