Título: Pistoleiros expulsam assentados na Amazônia
Autor: Awi, Fellipe
Fonte: O Globo, 06/05/2007, O País, p. 3

Violência e falta de infra-estrutura criam assentamentos fantasmas.

Assentadas precariamente pelo Incra em áreas inóspitas no meio da floresta, famílias de trabalhadores rurais estão sendo expulsas de seus lotes por pistoleiros que agem a serviço dos madeireiros responsáveis pela devastação da Amazônia. Apavoradas com as ameaças, e vencidas pela insegurança e pela falta de infra-estrutura em lugares distantes centenas de quilômetros de qualquer povoado, as famílias abandonam seus lotes mas continuam registradas como beneficiárias da reforma agrária. A violência dos madeireiros e a falta de assistência do governo estão fazendo surgir na Amazônia os assentados fantasmas.

A situação mais grave se passa no assentamento do Rio Cururuí, criado pelo Incra em áreas da União no município de Pacajá, no Pará, ao norte da Rodovia Transamazônica. Implantado em 2005 para 686 famílias, o assentamento hoje só tem cerca de 70, ainda assim em área ilegal. As outras famílias continuam engrossando os números do Incra, mas já fugiram com medo das ameaças dos pistoleiros. No fim do ano passado, dois colonos foram baleados, um teve a orelha cortada e barracos foram incendiados. O fazendeiro Tenório Silva Lacerda chegou a ser detido, mas em seguida foi solto por falta de provas. Pouco depois, ele foi preso por manter cem trabalhadores rurais em regime de escravidão.

- As famílias saíram de lá com medo, deixando todos os seus pertences e perdendo a plantação que já tinham começado. Algumas voltaram, mas vivemos com medo de que um dia esses pistoleiros voltem - conta uma das líderes do assentamento, Aurinete Monteiro, que reclama da ausência do Incra. - Não deram a terra que nós queríamos e nos levaram para um lugar isolado, cheio de problemas.

Em Tucuruí (PA), O GLOBO encontrou famílias que saíram do assentamento do Rio Cururuí, abandonado pela maioria dos assentados. Eles estão num acampamento do MST próximo à zona urbana da cidade. O marido de Ivanice de Jesus foi espancado por pistoleiros, mas conseguiu escapar e nunca mais voltou ao assentamento.

- Queimaram o nosso barraco e bateram até num menino de 14 anos - contou Ivanice.

Também fugida do Cururuí, a família de Celi Rodrigues resistiu à malária, mas não à ameaça dos pistoleiros.

- Minhas coisas ficaram lá. Os homens usaram até motosserra para derrubar os barracos - disse.

O carro do GLOBO tentou chegar ao assentamento do Rio Cururuí por dois caminhos, mas ambos estavam bloqueados pela queda de árvores. O problema encontrado no Cururuí se repete em outros assentamentos encravados na selva. Três deles foram visitados pelo repórter na semana passada.

O Incra alega que seu objetivo, ao intensificar a criação de assentamentos na Amazônia, era justamente o de inibir a ação dos madeireiros que atuam na floresta há décadas. O problema é que, sem ajuda para viver isolados, os assentados, quando não fogem das ameaças, acabam aliciados pelos madeireiros. Não existe transporte regular para os assentamentos mais afastados das rodovias. Para chegar à civilização, os colonos dependem da boa vontade dos motoristas de caminhões das madeireiras que povoam a região, muitas delas ilegais. Eles vão em cima das toras em estradas vicinais intransitáveis em diversos trechos na época das chuvas, que vai de dezembro a julho. Leva-se cerca de quatro horas para percorrer cem quilômetros, passando no meio de grandes fazendas. São comuns os atolamentos de caminhões ou veículos 4x4, os únicos que conseguem transitar por ali.

As vítimas dos grileiros e madeireiros são pessoas como Elias Souza, morador do assentamento de Rio Bandeira, que semana passada foi largado no meio da estrada por um caminhão que não conseguiu seguir a viagem. Com quatro sacos de alimentos nas costas, fruto do crédito de fomento, ele e um amigo tentavam chegar em casa havia dois dias. Ele já pegou malária 13 vezes e diz que conhece gente que, doente, volta para casa no meio do caminho porque não consegue chegar a um hospital.