Título: 'Governo Lula está fazendo aquilo que criticava'
Autor: Awi, Fellipe
Fonte: O Globo, 06/05/2007, O País, p. 4

Especialista compara política de ocupação da Amazônia com a do regime militar

"A Amazônia é um lugar de terras sem homens e o Nordeste é um lugar de homens sem terras". A frase, muito repetida durante o regime militar para justificar a construção de agrovilas ao longo da Rodovia Transamazônica, mostra que a idéia de usar a Amazônia para resolver problemas de outras regiões vem de longe. Para o geógrafo da UFF Carlos Walter Porto Gonçalves, especialista em questões fundiárias no Brasil, a novidade agora é ver a política repetida por um governo formado por pessoas que combateram a ditadura e que acabam reforçando o que chama de "complexo da devastação".

- Os assentamentos dentro da floresta não estão funcionando e, o pior, estão contribuindo para a devastação do meio ambiente. Do jeito que estão, eles fazem o serviço sujo de abrir a mata e estimulam a expansão da fronteira agrícola e pecuária. O pequeno agricultor não suporta a falta de estrutura, vai embora, mas já deixa a terra pronta e abre espaço para grileiros e fazendeiros. O governo Lula está, mais uma vez, fazendo aquilo que criticava - afirmou Carlos Walter, diretor do Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades.

Num estudo sobre a relação entre ocupações, assentamentos e violência no campo, o professor ressalta que 66,3% dos assentamentos entre 2003 e 2005 foram implantados na Região Norte, Mato Grosso e Maranhão, que tiveram 8,5% do total das ocupações de terra. Em contrapartida, o Sudeste e o Sul, juntos, tiveram 35,1% das ocupações e apenas 7,4% dos assentamentos. Na sua análise, ele percebe um descolamento entre a ação do Incra, que "passa por cima da biodiversidade da Amazônia", e a demanda dos movimentos de sem-terra.

- A Amazônia está servindo de válvula de escape para as tensões agrárias brasileiras. Mas a tendência é aumentar cada vez mais a violência nessa área, que já é enorme. Enquanto isso, há terras disponíveis no Sudeste para desapropriação - diz.

O superintendente adjunto do Incra na área, Ernesto Rodrigues, justifica a prevalência de assentamentos na Região Norte pela maior disponibilidade de terras públicas e improdutivas:

- Embora haja mais demanda lá, é muito mais difícil obter terras no Sul e Sudeste.

O estudo de Carlos Walter mostra ainda uma dissociação entre o grau de mobilização dos movimentos de sem-terra e a violência no campo. No ano passado, segundo dados da Comissão da Pastoral da Terra (CPT), a Amazônia teve apenas 15,3% das ocupações, mas concentrou 45,6% dos conflitos no campo, o que inclui famílias despejadas e expulsas e assassinatos. Na Região Centro-Sul, ocorre o inverso: 44,5% das ocupações e 25,2% dos conflitos.

- Isso mostra que a violência contra o trabalhador rural não está associada à ação dos movimentos de sem-terra - afirmou. (F.A)