Título: Energia da discórdia
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 06/05/2007, Economia, p. 35

Energia da discórdia.

População de cidades onde serão construídas hidrelétricas do Rio Madeira teme por seu futuro.

Anunciado como uma saída para o risco de desabastecimento de energia no país e tido como fundamental para o futuro da economia, o complexo hidrelétrico do Rio Madeira está longe de ser unanimidade no estado. O racha que ocorre no governo federal, que divide ambientalistas e desenvolvimentistas, reproduz-se em Rondônia. A polêmica está nas ruas, nos discursos de políticos, no meio de pescadores e empresários e em faixas e adesivos espalhados pela capital Porto Velho.

A construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e do Jirau, que formam o complexo do Rio Madeira, faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado pelo presidente Lula. Juntas, vão gerar 6.450 megawatts de energia, metade do que é produzido por Itaipu. Mas as obras ainda não saíram do papel em razão da demora na concessão do licenciamento ambiental. Para o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama, os impactos das usinas no meio ambiente ainda são desconhecidos.

Empresários aliados com o PT e a CUT

O comitê pró-usinas do Madeira é eclético. Reúne desde os empresários da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero) até os antes intransigentes sindicalistas da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e parlamentares do PT. O deputado federal Eduardo Valverde (PT-RO) é um dos que apóiam a construção das usinas. Ex-funcionário da Eletronorte e ligado a setores ambientalistas e ribeirinhos, Valverde diz ter uma posição intermediária: apóia a obra, mas quer que o meio ambiente seja preservado.

- O Brasil tem necessidade de gerar mais energia, de preferência de baixo custo e baixo impacto como estas usinas. Sou a favor da construção, mas sem entrar no oba-oba que tomou conta de parte do estado e sem também posição sectária de ser contra por ser contra - diz Eduardo Valverde.

O oba-oba a que se refere Valverde pôde ser constatado esta semana em Rondônia. Deputados estaduais foram para a tribuna da Assembléia Legislativa, em Porto Velho, e não preservaram a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Ela foi duramente criticada por parlamentares do estado e apontada como a responsável pelo entrave da obra. Um jornal da cidade amanheceu na quinta-feira com a seguinte manchete: "Marina, inimiga número um de Rondônia".

No estado, muito se fala e discute, mas pouco se sabe sobre o que de fato vai ocorrer. Na Vila de Santo Antônio, na região onde será construída uma das usinas, a maioria dos 300 moradores do local desconhece seu futuro. Eles não sabem exatamente o que vai acontecer, se a área será alagada e quanto de indenização podem receber.

Na região, está localizado o enorme cemitério de Santo Antônio. As pessoas das cercanias vivem do comércio de produtos como vela, flores, fósforo e urnas para enterrar os mortos. Há décadas morando na vila, eles não pensam em deixar o local. É o caso de Joaquim Martins, que trabalhou como coveiro por 22 anos e hoje é vigia do cemitério. Ele diz que vai resistir.

- Todo mundo é contra essa usina aqui. Vão me tirar daqui para colocar onde? E vão alagar o cemitério, um desrespeito com os mortos e as famílias - afirma Joaquim Martins.

A comerciante de flores e velas, Pedrina Teixeira, vai além:

- Só saio daqui morta. Querem dar um pé na gente e nos largar por aí. Diga para o Lula olhar pelos pobres de Rondônia e deixar a gente quieta no lugar.

A extensão do complexo hidrelétrico do Rio Madeira será de 230 quilômetros, entre Abunã, na divisa com a Bolívia, até Porto Velho. As duas usinas formarão dois grandes lagos. O reservatório da usina de Santo Antônio terá 217 quilômetros quadrados. O de Jirau, 258 quilômetros quadrados. O custo estimado é de R$23 bilhões, e o tempo de duração da obra é de cinco anos.

Dúvidas sobre as compensações

A estatal Furnas Centrais Elétricas e a empreiteira Norberto Odebrecht são responsáveis pelo empreendimento. O consórcio já apresentou seu estudo de impacto ambiental ao Ministério do Ambiente, que pediu complementação das análises. A previsão das empresas é de que a obra gere até 20 mil empregos, quando estiver no auge da mão-de-obra contratada, o que ocorrerá no 31º mês a partir do início da construção. Esse número de vagas vai diminuir com o avanço das obras e, no 52º mês, o número de empregados será de 1,5 mil.

O fórum contrário às usinas reúne, além dos ambientalistas, várias entidades, como o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Para Luís Fernando Novoa, um dos coordenadores dos que se opõem às hidrelétricas, quem apóia a obra está abrindo mão das precauções e apostando em algo incerto, cujas conseqüências não estão claras e cujos benefícios e compensações para a população, principalmente ribeirinhos, pescadores e indígenas, não se sabe quais são exatamente.

- Os políticos favoráveis às obras estão barateando só para ter a usina a qualquer preço - diz Novoa.