Título: Protagonista do impasse entre Lula e Marina, o bagre pode desaparecer
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 06/05/2007, Economia, p. 37

POLÊMICA VERDE: Especialistas não sabem avaliar impacto.

Construção de duas usinas no Rio Madeira ameaça espécies de peixe.

PORTO VELHO. Incluído na agenda do país após ser citado numa reunião pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o bagre tem um futuro incerto. Com a construção das hidrelétricas do Rio Madeira, esse peixe, dos mais populares naquelas águas, pode sumir do mapa. Há dúvidas se o bagre será capaz de transpor as barragens das represas e seguir seu curso para fazer a desova e fecundar depois. Ele é um peixe chamado de migrador e que só passa pelo leito do Madeira.

O impacto das hidrelétricas na sobrevivência dos peixes do rio Madeira é uma das principais críticas de ambientalistas ao megaprojeto e que também aparece nos estudos feitos até agora. O governo anuncia que fará um canal, chamado de Sistema de Transposição de Peixes, para assegurar que eles consigam transpor as barragens. Mas não há essa garantia.

O Madeira apresenta a maior coleção e variedade de espécies de peixes num único rio do mundo. São 463 espécies. O rio tem épocas de cheia, quando sua profundidade pode chegar a 30 metros, e de seca, com apenas meio metro. É um rio muito largo. Em alguns trechos, a distância é de até três quilômetros.

Pescador teme mudança provocada por obras no rio

Há vários tipos de bagre. O "dourada" é um dos mais nobres, tem a carne mais apreciada e o melhor preço no mercado. É um peixe grande, que pesa até 60 quilos. Os pescadores da região de Cachoeira do Teotônio, a dez quilômetros de Porto Velho e que será atingida pelas águas da usina, vendem o quilo por R$8. No comércio, esse preço varia de R$11 a R$13.

O bagre é um peixe de "couro", sem espinhas. Há vários tipos, como "barba chata", "babão", "pintadinha", "mulher ingrata" e "piramutaba". Ele se caracteriza por ser um pouco mais comprido e com uns fios ao lado da boca, chamados de barbilhão.

Morador da região, Mário Ferreira dos Santos, o Marião, tem muita história para contar. Sua família vive da pesca, graças aos vários tipos de bagre.

- Pode ser época de cheia ou de seca: o bagre nunca falta nessas águas. Nunca deixa a gente na mão - diz Marião.

O pescador, que tem uma renda mensal de quatro salários-mínimos, não quer deixar o lugar e teme o futuro. Não sabe fazer outra coisa a não ser pescar.

- Esse pessoal do governo que esteve aqui prometeu três sapatos para nós. Dois nos pés e um no traseiro da gente.

O Ministério Público quer saber se os bagres migradores serão capazes de se reproduzir em outros rios e qual será o impacto das turbinas nas ovas e larvas dos peixes. O geógrafo Alexis Bastos diz que não há como avaliar o impacto.

- O pulso do rio vai ser alterado, assim como o ciclo hidrológico. O impacto é absolutamente imprevisível - disse Alexis.