Título: Vida privada como um improvável reality show
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 06/05/2007, O Mundo, p. 46

PARIS. Nicolas Sarkozy foi personagem de um dos raros casos de crise conjugal em público de um político na França. Quem no país não se lembra da foto de Cecília, a poderosa mulher de Sarkozy, na capa da revista ¿Paris Match¿ com outro homem em Nova York? Ele teve que admitir na TV que passava por ¿problemas¿ em casa. Mas a França inteira já sabia: em crise com o marido, Cecília fez as malas, bateu a porta de casa e se foi com Richard Attias, diretor da agência de publicidade Publicis Events.

Na fachada, tudo foi resolvido com a maior elegância. Sarkozy, segundo os blogueiros, também teria arrumado uma namorada, a jornalista Anne Fulda, do jornal ¿Le Figaro¿, de direita, que cobria o Palácio do Eliseu. Cecília, que era uma mulher poderosíssima na República, a ponto de ter escritório (apesar de não ter cargo) ao lado da sala do marido nos vários ministérios por onde ele passou, sumiu do mapa midiático. E nada vazava sobre o bate-boca em casa ou sobre como os dois estavam administrando as traições mútuas. Isso foi em 2005.

Mas na França há uma tradição: ninguém se mete em vida privada de político. E quem ousa quebrar o tabu paga caro. Foi o caso do editor da ¿Paris Match¿, Alain Genestar, demitido depois da publicação da foto de Cecília com seu novo namorado, em Nova York, em 2005, na primeira página de uma das revistas mais lidas na França. Ele também processou o jornal suíço ¿Le Matin¿ ¿ e ganhou a causa em setembro do ano passado ¿ por ter publicado informações sobre suas dificuldades conjugais. Sarkozy, com estes episódios, deu as armas que os críticos esperavam. Passaram a chamá-lo de ¿Berlusconi da França¿, numa alusão às suas poderosas ligações com os patrões da mídia, como o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, magnata da mídia na Itália.

A publicação da foto na ¿Paris Match¿ deu o que falar. Por um motivo: Sarkozy e Cecilia já vinham quebrando a grande tradição dos políticos de não expor suas vidas privadas. Cecília era uma pessoa sempre presente ao lado de Sarkozy. Participava até de algumas reuniões de trabalho do Ministério do Interior. Os jornalistas contam que para ter uma audiência com Sarkozy, muitas vezes era preciso passar pelo crivo da mulher. E logo surgiram algumas matérias sobre o seu poder sobre o marido. A vida dos dois era quase um reality show, observou um blog.

A crise conjugal de 2005 mudou alguma coisa no casal. Os dois se reconciliaram. Mas Cecília, 49 anos, hoje vive à sombra do marido. Foi a grande ausente na campanha eleitoral. Raramente foi fotografada nos grandes encontros de campanha de Sarkozy e se manteve discreta. Se Sarkozy ganhar as eleições neste domingo, ela nem de longe vai ser como Bernadette Chirac, mulher do presidente Jacques Chirac, que assumiu o papel como se espera: da forma mais tradicional, com seu chás caritativos.

¿ Eu não me vejo como primeira-dama. Acho isso chato. Eu não sou politicamente correta ¿ disse numa entrevista à televisão. (D.B.)